Paulo César de Oliveira

Em quem acreditar?

Subnotificação e dúvidas sobre as estatísticas da pandemia


Publicado em 05 de maio de 2020 | 03:00
 
 
 
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Dizem – e ninguém sabe bem quem disse primeiro – que a primeira vítima na guerra é sempre a verdade. Estamos vivendo uma guerra, não a tradicional, de tiros e invasões, mas a do mundo contra um vírus, um inimigo oculto que ninguém consegue encontrar as armas químicas para enfrentar. Temos apenas as armas sociais do isolamento, que muitos insistem em desacreditar, embora sejam incapazes de apresentar algo alternativo.

Então, seja por interesses inconfessáveis, por irresponsabilidade ou, novidade entre nós, por fanatismo religioso, cuida-se de espalhar toda sorte de mentiras usando, em especial, as redes sociais, por onde trafegam toda sorte de irresponsabilidades que geram mortes. Mortes que alguns insistem serem normais e inevitáveis. Especialmente quando atingem as famílias dos outros.

Mas há outras “mentiras” que, muitas vezes, não são frutos da irresponsabilidade ou de interesses. Resultam do despreparo do Poder Público para o trato das questões mais complexas. Destas, as mais evidentes são as estatísticas sobre a extensão da epidemia. Quantas, afinal, são as vítimas da Covid-19 no mundo e, no que nos interessa tratar aqui, no Brasil? Não é possível a alguém acreditar nos números apresentados diariamente pelas autoridades.

Como acreditar, por exemplo, que em Minas existam pouco mais de 2.000 casos confirmados de Covid-19 e mais de 90 mil suspeitos? Que sejam perto de 90 as mortes confirmadas e mais de cem sem confirmação? Não podem ser sérias as estatísticas que indicam pouco mais de 7.000 mortes por coronavírus no Brasil, enquanto dezenas de milhares de outras são atribuídas à síndrome respiratória grave, uma doença que apresentou saltos espetaculares do ano passado para cá. Uma doença que tem sintomas semelhantes aos da Covid-19.

Há uma evidente subnotificação dos casos de infectados por coronavírus em todo o país, enquanto o governo federal insiste em minimizar a pandemia, preocupado em criar um ambiente favorável à sua tese de que é hora de flexibilizar para atender a economia. Chegam ao ridículo de anunciarem quantas pessoas se curaram da Covid-19. Como se isso fosse possível saber. E como se isso não acabasse por estimular aqueles que se negam a cumprir as regras de isolamento sob a alegação de que a pandemia é apenas um gatinho transformado num baita tigre pela ação da mídia.

Não demora e o governo vai assegurar aos pedestres que não há risco algum em se desobedecer às regras de trânsito. Afinal, milhões de pedestres estão pelas ruas todos os dias, e apenas alguns poucos morrem atropelados. O que assusta é a perspectiva de serem adotadas medidas de controle da Covid-19, e não quero entrar no mérito de nenhuma delas, sem informações confiáveis para, cientificamente, embasar medidas governamentais.

Se não podemos confiar em números que dizem respeito às grandes cidades, como levar a sério os relativos a municípios que nem médicos têm? Estamos, e vamos continuar, agindo no escuro, sem base para sustentar os mais sérios e combater os mal-intencionados. Aos que creem, orem ou rezem, dependendo de sua crença. Aos que não creem, torçam.

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