PAULO DINIZ

Brincando com fogo: Temer e a convocação dos militares

Quem evoca a força das armas acaba sendo vítima dela


Publicado em 30 de maio de 2017 | 03:00
 
 
 
normal

Manifestações violentas nas ruas, tropas armadas convocadas para restabelecer a ordem, tiros, pessoas feridas e presas: a política deriva para a agressão. Esse cenário descreve a Romênia em dezembro de 1989, quando a população avançou contra a ditadura comunista que os dominava desde 1947. A despeito da cruel repressão aos protestos, em poucos dias, o ditador Nicolae Ceaucescu foi capturado, julgado e executado, com transmissão ao vivo pela televisão na véspera de Natal. O ponto central é que a violência desproporcional do Estado, muitas vezes, intensifica os protestos que busca reprimir.

Essa narrativa tem paralelo com a saga pela qual passa o presidente Michel Temer desde que foram veiculadas as delações premiadas dos donos do frigorífico JBS. Mais precisamente, merece menção a relação do presidente com as Forças Armadas, que se mostra com contornos preocupantes desde que o mandatário passou a ser colocado em xeque por literalmente todas as correntes políticas do país.

Dois fatos pedem destaque, sendo o primeiro a convocação dos comandantes superiores das três armas para uma reunião com Temer em 19 de maio último. Após um rápido encontro, os comandos da Aeronáutica, da Marinha e do Exército divulgaram em uníssono notas nas quais destacavam a iniciativa do presidente para a reunião, usando inclusive o termo “convocação” para esse fim. Dessa forma, buscaram deixar claro que qualquer hipótese conspiratória que pudesse surgir deveria ser imputada a Michel Temer, e não aos militares.

O questionamento do presidente foi, segundo consta, relativo à disposição dos militares em cumprir a Constituição. Por ser genérico, o tema se presta a várias interpretações: desde a preocupação de Temer em relação a uma eventual intervenção dos militares na política, até uma sondagem sutil do ânimo dos comandantes em acompanhar Temer em uma aventura golpista travestida de “defesa da Constituição”. De toda forma, qualquer que tenha sido o verdadeiro humor da conversa, depreende-se desta que: a instituição militar ocupa um papel relevante na mente de Temer, e tal sentimento de apreço não é mútuo da parte dos comandantes das três armas.

A mobilização de militares para a contenção de protestos em Brasília, na semana que se seguiu à reunião, é o outro fator incomum na crise que vitima o governo Temer. Tido como exagerado por todos, de juristas e políticos a especialistas em segurança pública, o decreto de convocação de tropas indica o quão facilmente o presidente Temer está disposto a recorrer à força das armas para se defender e a seu mandato. Percebido o equívoco e revogado o decreto, sob a capa das melhores intenções, ainda assim ficou marcada a excepcionalidade do evento, mesmo no contexto de um país que convive com aguda crise política desde os protestos populares de 2013.

A reunião de Temer com os comandantes militares e a posterior convocação de tropas federais, ocorridas no espaço de apenas cinco dias, são eventos que devem ser lidos em conjunto e com preocupação. A despeito de todo o histrionismo que é peculiar aos petistas, Dilma Rousseff soube bem quando era a hora de deixar os palácios de Brasília. Fica no ar a dúvida se Michel Temer é dotado do mesmo tipo de capacidade de percepção, ou se buscará respaldo na violência para adiar seu inevitável afastamento do poder.

A história ensina, afinal, que quem evoca a força das armas acaba sendo a maior vítima dessas.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!