PAULO DINIZ

Coadjuvante no próprio governo

A aprovação da reforma tributária foi um feito político considerável, e todos os envolvidos fizeram discursos pertinentes sobre a nova lei e o difícil percurso até sua concretização

Por Paulo Diniz
Publicado em 26 de dezembro de 2023 | 05:00
 
 
 
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É unanimidade nas biografias de Lula classificá-lo como sobrevivente dos mais graves desafios: miséria no sertão pernambucano, migração, abandono parental, acidente de trabalho, atividade sindical sob a ditadura, acachapantes derrotas na disputa pela Presidência, prisão. Ocorre que quem sobrevive pode fazê-lo como um herói ou como um coadjuvante. Sendo assim, convém refletir sobre qual forma o presidente Lula sobreviveu a 2023.

Considerando as ameaças que pairavam sobre a posse de Lula durante as últimas semanas de 2022, é possível dizer que a própria investidura no cargo presidencial já foi uma vitória. A manutenção da ordem legal, mesmo com os eventos do dia 8 de janeiro, também contribuiu para pintar a sobrevivência de Lula como heroica.

O ponto principal, entretanto, está ligado à relação com o Poder Legislativo. Nesta coluna, já foi apontado em diversas oportunidades o novo protagonismo que o Congresso vem assumindo nos últimos anos, deixando a política brasileira com elementos de um regime parlamentarista. O eixo do poder mudou de lugar, sendo que Lula percebeu e soube trabalhar sob essas novas condições. Sem essa sensibilidade e capacidade de adaptação, provavelmente o ano de 2023 teria sido trágico para Lula – basta observar a forma como o Legislativo enfrentou o STF.

Essa avaliação positiva do ano de Lula, entretanto, foi destroçada pelo evento de promulgação da reforma tributária, realizado em 20 de dezembro, em sessão conjunta do Congresso Nacional. As vaias dirigidas a Lula por um grupo de deputados oposicionistas não produziram esse efeito devastador sobre a retrospectiva política de Lula – o que o atingiu foi o conjunto da cerimônia como um todo, a conjunção política que ela representou.

A aprovação da reforma tributária foi um feito político considerável, e todos os envolvidos fizeram discursos pertinentes sobre a nova lei e o difícil percurso até sua concretização. Destaque para Arthur Lira, que conseguiu construir consensos em uma Câmara conflagrada pelo extremismo, assim como para Fernando Haddad, condutor técnico do processo e negociador ágil e equilibrado. Lula, por sua vez, se destacou pela ausência: além de não conduzir as articulações políticas, se portou na cerimônia como alguém que acabara de tomar conhecimento do assunto.

Lula não tinha uma trajetória para recordar, não podia citar momentos desafiadores que superou com a ajuda dos parceiros – deixou claro, enfim, o quanto esteve distante do núcleo decisório de seu próprio governo. Como se estivesse ligado em alguma programação automática, Lula iniciou seu discurso com a fórmula emotiva e simplista que usa quando fala para as multidões Brasil afora – formato inadequado para o público e o local. Não se demorou muito em sua fala, provavelmente por ter percebido que não cativou aquela multidão tão especial. Porém, com esse detalhe, Lula reafirmou, para quem não tivesse percebido ainda, o quão distante ele estava dos senhores poderosos que comemoravam ali a nova reforma tributária.

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