Têm circulado nas redes sociais, com muito impacto, vídeos nos quais prefeitos do Sul do país abordam moradores de rua e oferecem a estes uma refeição e a oportunidade de realizar pequenas tarefas remuneradas. Superficialmente, são vários os aspectos positivos desses vídeos, que fazem com que milhares de brasileiros os compartilhem pela internet afora.
Destaque-se, inicialmente, a figura do prefeito dinâmico, que busca conhecer pessoalmente os problemas de sua cidade, não ficando restrito ao conforto do gabinete. As estrelas de tais vídeos também surgem como gestores que não se deixam conter pela burocracia pública, pois criam soluções imediatas. Tais prefeitos ainda posam como extremamente humanos, que se apiedam dos cidadãos menos afortunados.
Saindo do mundo da internet, o quadro é diferente. Por obrigação legal, cada município brasileiro é dotado de equipe de assistentes sociais, qualificados e encarregados da abordagem da população de rua. Portanto, se o prefeito está fazendo esse serviço pessoalmente, então deve haver algo de muito grave ocorrendo nessa administração.
Vale perguntar o que acontece com os moradores de rua abordados pelos prefeitos sulistas após a realização dos pequenos serviços oferecidos por eles. Será o morador de rua incorporado à equipe de limpeza urbana ou é deixado à própria sorte novamente, com alguns trocados no bolso?
Questionamentos como esses vão deixando às claras o quão falsas são as ações desses prefeitos. Mas o mais grave não é perverter a estrutura da prefeitura para promover um teatro pré-eleitoral, mas sim reforçar conceitos ultrapassados e inverídicos sobre a questão social no Brasil.
O primeiro é a ideia que associa a indigência à preguiça, de forma que uma refeição e um trabalho temporário seriam suficientes para resolver tal questão – ou, ao menos, para provar a “culpa” daqueles que acabarem voltando para a rua. Uma abordagem minimamente séria nos mostra que são inúmeros os fatores que se combinam para levar alguém à situação de rua – desde distúrbios psicológicos e a dependência química até a falta de laços familiares e de qualificação para ocupar qualquer emprego formal. Diante dessa situação, fica claro que os prefeitos sulistas em questão não oferecem solução alguma.
Mais grave é o reforço ao conceito de que “a melhor política social é o emprego”. Essa frase foi proferida pelo então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, na década de 1980, como justificativa rasa para os brutais cortes orçamentários que pretendia fazer em sua gestão.
Políticas sociais não competem com empregos. Pelo contrário, são apoios essenciais para que os cidadãos possam estar em condições de pleitear posições dignas no mercado de trabalho. Não é realista pensar que pessoas em condições de vulnerabilidade social extrema reconstituam suas vidas sem qualquer apoio, apenas por terem conseguido trabalho.
Portanto, em ano eleitoral, convém desconfiar de prefeitos e candidatos que ofereçam soluções simples e fáceis demais.