Análise

Dois pontos sobre Dino

A devoção ao projeto presidencial de Lula fez com que Dino sacrificasse seu prestígio pessoal – deixou de ser visto como um político conciliador e um magistrado equilibrado para assumir o papel de “leão de chácara do governo

Por Paulo Diniz
Publicado em 19 de dezembro de 2023 | 05:00
 
 
 
normal

A confirmação do nome de Flávio Dino para ocupar vaga no Supremo Tribunal Federal forneceu o enredo que faltava para mais um capítulo da longa novela da polarização política no Brasil. É fato que esse drama perde cada vez mais audiência junto à população, porém ainda há muitos atores políticos que dependem – e outros que acham que dependem – dessa dinâmica extremista para sobreviver.

Dois pontos se elevam, entretanto, para além da rotina de pequenas tramas que povoaram as manchetes na última semana, no que se refere à vitória de Flávio Dino no Senado Federal. O primeiro ponto está relacionado à própria resistência política em torno do nome de Dino: é fácil explicar toda a rejeição contra sua personalidade política, uma vez que o atual ministro da Justiça vinha sendo o porta-voz mais ativo e eficiente do governo de Lula. Mais do que por suas ações, Dino se destacou por suas palavras – respostas rápidas, incisivas e definitivas sobre os temas mais acesos do momento.

Essa atuação firme e combativa colocou Dino em uma posição nunca antes ocupada por ele em suas carreiras política e jurídica: a de extremista. Mesmo militando por muitos anos no PCdoB – um partido de intensa ideologia –, Dino nunca figurou como um político intransigente ou mesmo, antes disso, como magistrado pirotécnico. Considerando que sua ascensão no Maranhão veio após décadas de domínio da família Sarney, certamente não faltaram oportunidades para que Dino se promovesse como “salvador da pátria”, afirmando-se como antítese da oligarquia que o antecedeu. Ainda assim, não era essa imagem que Flávio Dino projetava.

A devoção ao projeto presidencial de Lula fez com que Dino sacrificasse seu prestígio pessoal – deixou de ser visto como um político conciliador e um magistrado equilibrado para assumir o papel de “leão de chácara” do governo. No STF, portanto, Dino tende a retornar à sua postura tradicional.
O segundo ponto a ser destacado é que, agindo como guarda-costas do governo, Dino também ganhou notoriedade. Não apenas tomou para si o destaque que vinha sendo de Randolfe Rodrigues junto à esquerda, como também ganhou cada vez mais ouvidos do eleitorado centrista – sempre pragmático e decisivo.

Não foram poucos os analistas que colocaram Flávio Dino em suas conjecturas para a sucessão de Lula em 2026. Nesse ponto, provavelmente Dino pode ter selado seu destino: como Lula sempre é muito sensível quando o assunto é a própria sucessão, a indicação de Flávio Dino para o STF pode ter sido uma oportunidade de ouro para evitar que o fortalecimento futuro do nome do atual ministro da Justiça viesse a complicar as articulações de Lula.

Para preservar o poder que tem no presente, Lula vem falando pouco do futuro. Dessa forma, congelar o futuro político de Flávio Dino no STF ajuda Lula a manter o foco de todos no presente.

Com essas duas visões, a ida de Flávio Dino para o STF ganha uma perspectiva radicalmente diferente.

PS: Para todos os leitores da coluna, desejo um Natal de paz, saúde e harmonia!

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!