PAULO DINIZ

Em contraste com a penúria do povo, um Judiciário sem compaixão

A profunda falta de sensibilidade dos magistrados mineiros


Publicado em 17 de julho de 2018 | 03:00
 
 
 
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Já há algum tempo, militantes e lideranças do Partido dos Trabalhadores deixaram de ser referência razoável no que tange a alguns assuntos. O Poder Judiciário é um desses: quando são proferidas sentenças contrárias a petistas, invariavelmente surgem discursos sobre a conspiração judiciária em curso para perseguir o PT; porém, se inocentados réus petistas, seus partidários saúdam a capacidade do Judiciário de fazer justiça. Entretanto, quando se produziu a guerra de decisões sobre a soltura do ex-presidente Lula, muitos dos impropérios petistas contra o Judiciário ganharam ares de validade. Afinal, por detrás do vasto e empolado palavreado em latim dos togados brasileiros, parece não haver tanta razão técnica assim.

Em meio a tais questionamentos, o Poder Judiciário vem sendo analisado não apenas como instituição técnica, mas como poder que existe para ajudar a sociedade a discernir o bem do mal. Nesse contexto, Minas Gerais passa por uma crise fiscal sem precedentes, na qual a suspensão de serviços essenciais se tornou realidade; situação de carência extrema, em que qualquer ação do poder público impacta muito a vida das pessoas.

Tendo isso em vista, o Judiciário mineiro colocou em andamento uma ambiciosa iniciativa de construção de novas instalações, batizada de “Plano de Aceleração de Obras” e prevista para durar entre 2017 e 2024. Os valores impressionam: R$ 45 milhões com o recém-inaugurado fórum de Contagem, R$ 82 milhões previstos para o novo fórum de Juiz de Fora, licitações de dezenas de milhões de reais para a construção de edifícios de menor porte. Impressiona ainda mais a divulgação da maquete dos dois suntuosos edifícios que se pretende construir em anexo à atual sede do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em uma das vizinhanças mais caras de Belo Horizonte. O contraste com a penúria do Estado e do povo mineiro não poderia ser maior.

Não se questiona a legalidade dessas obras, até porque trata-se do Poder capaz de redefinir tal conceito a cada sentença. Tampouco a origem dos recursos deve ser atacada: trata-se, em boa medida, de arrecadação própria do Judiciário por meio de taxas, multas e afins. Porém, vale condenar a profunda falta de sensibilidade dos magistrados mineiros: se possuem tão fartas fontes de renda, por que não arcar com o custeio das próprias atividades, aliviando o peso que representam para os falidos cofres do Poder Executivo? As atividades prestadas pelo Judiciário também são importantes para os mineiros; porém, será que os magistrados não podem abrir mão do conforto até que a situação fiscal volte a melhorar?

O Plano de Aceleração de Obras, entretanto, não é algo contra o que se possa argumentar: é fruto do afastamento de seus autores em relação aos cidadãos comuns; assim, não participa da mesma lógica que rege o cotidiano da sociedade. No Judiciário, previsões constitucionais ditam o padrão de normalidade, e não o contrário. Como consequência, consolidou-se aí a crença de que o sucesso em um processo seletivo é capaz de conferir prêmios a uma classe especial de servidores públicos, e não simplesmente medir a aptidão para o exercício de um emprego.

Quem acredita que a previsão constitucional de uma carreira pública funciona como bênção, elevando os servidores do Judiciário a um patamar superior, dificilmente verá nobreza em compartilhar as privações que afligem o restante da nossa sociedade. Infelizmente, no prisma obscuro da legalidade, não há lugar para as cores da compaixão.

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