PAULO DINIZ

Foi por muito pouco

As imagens da reunião ministerial, em meados de 2022, na qual o então presidente Jair Bolsonaro faz inúmeras menções a um golpe de Estado, estão causando intenso impacto político

Por Paulo Diniz
Publicado em 13 de fevereiro de 2024 | 06:00
 
 
 
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As imagens da reunião ministerial, em meados de 2022, na qual o então presidente Jair Bolsonaro faz inúmeras menções a um golpe de Estado, estão causando intenso impacto político. Há quem diga que a prisão do ex-presidente pode ocorrer em uma questão de horas – inclusive, talvez até no curto intervalo entre a conclusão desse texto e sua impressão, em pleno Carnaval. Há tempos Bolsonaro não tinha tanta relevância política.

Ocorre que, em que pese o espetáculo de descontrole emocional e termos de baixo calão, essa reunião ministerial não é o evento mais importante a ter sido exposto nos últimos dias. Do ponto de vista histórico, esse papel é ocupado pela reunião realizada entre Jair Bolsonaro e os comandantes das três Armas, na qual o então presidente os convidou a desfechar o golpe de Estado.

Os livros de história brasileira estão repletos de eventos semelhantes, sobretudo a partir do golpe militar de novembro de 1889 – no qual os veteranos da Guerra do Paraguai decidiram deixar de lado a glória de heróis nacionais em troca do exercício direto do poder. Desde então, a sequência de golpes tentados e consumados não parou de crescer.

A reunião entre o então presidente Bolsonaro e seus chefes militares não resultou em golpe apenas porque os comandantes do Exército e da Aeronáutica não apoiaram a iniciativa – apenas a Marinha se dispôs a suprimir a democracia. O destino do país, portanto, foi decidido por quatro indivíduos, a portas fechadas – se não fosse pela consciência de dois desses, hoje você não estaria lendo a presente coluna. Discutir os caminhos da política brasileira seria arriscado – se não fosse inteiramente proibido – e talvez mesmo o saldo de discussões passadas já tivesse sido cobrado desse que vos escreve.

Há quem diga que os comandantes do Exército e da Aeronáutica em 2022, respectivamente o General Marco Antônio Freire Gomes e o Brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, recusaram tomar parte no golpe proposto por Bolsonaro por respeito à democracia. Já outros acreditam que tais comandantes agiram estrategicamente, considerando que Bolsonaro não teria a firmeza e a determinação necessárias para levar a cabo um projeto político tão arriscado como um golpe de Estado. Afinal, Bolsonaro sempre sugeria, mas nunca assumia seu desejo de derrubar a democracia – combinando revolta e vacilação em medidas perigosamente iguais.

Há também uma avaliação pragmática, segundo a qual, por trás de portas fechadas e longe dos holofotes e cerimoniais, generais nunca acatam ordens de capitães. A carreira militar de Bolsonaro, tão alardeada por seus propagandistas pessoais, pode ter sido exatamente o item que faltou para o desfecho do golpe de Estado - ironia suprema.

Independentemente da dinâmica da reunião entre Bolsonaro e seus comandantes militares, um fato é certo: o Brasil não sofreu um golpe militar por falta de interesse desses próprios militares. Essa foi uma das vezes nas quais o horror nos espreitou muito mais de perto do que estivéssemos imaginando.

 

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