O ex-presidente Lula viaja pelo exterior como se cumprisse o protocolo dos recém-eleitos que ainda não tomaram posse: é recebido como chefe de Estado, com seus anfitriões fazendo pouca questão de camuflar esse cerimonial inapropriado.
Faz sentido, uma vez que todas as pesquisas de intenções de voto retratam um favoritismo muito alto, até mesmo para os padrões vitoriosos de Lula. Cada vez mais, aproxima-se de perspectivas de vitória no primeiro turno, um feito que o PT não atingiu nem em seus melhores momentos.
Entretanto, sem querer parecer contrafactual, é importante considerar que o atual favoritismo de Lula tem fragilidades estruturais e pode ruir de forma repentina. Não se trata da perspectiva de embate com algum oponente em especial, que pudesse dar projeção de forma inequívoca para os pontos mais polêmicos da biografia de Lula diante do eleitorado – enfim, o mito da terceira via redentorista, acalentado por tantos.
Trata-se, na verdade, de uma contradição inerente ao próprio Lula e, em certa medida, até mesmo cultivada pelo líder petista. Esse ponto é a polarização, que não se deve apenas ao PT, mas que faz parte da história desse partido em suas disputas nacionais – e, definitivamente, está presente na quase totalidade das falas de Lula em sua longa vida política.
Colocar-se como “a única alternativa” viável a um oponente político pintado como desastroso tem suas vantagens: tende a transformar a rejeição popular do adversário em votos próprios, sem que seja necessário efetivamente conquistar tais eleitores. Também, a simplificação do discurso torna a comunicação mais acessível a todos, e o engajamento popular na política, muito maior – mesmo que ao custo da realização de qualquer debate político verdadeiro.
Porém, manejar essa dicotomia para fins eleitorais é uma estratégia que tem seu prazo de validade. Não faz sentido – emocional e racionalmente – esperar que, a cada quatro anos, o eleitorado se sinta realmente envolvido pela mesma retórica apocalíptica e, sempre, reaja de forma passional – buscando desesperadamente o PT em detrimento “do caos”. Apenas nas tramas dos quadrinhos, se vê uma frequência tão grande de vilões que levem a população a pedir apoio recorrente ao super-herói da vez.
Em 2018, um dos fatores que muito beneficiaram Bolsonaro foi a rejeição ao PT. Agora, com o desgaste enorme acumulado pelo próprio Bolsonaro, faz sentido pensar que a população voltaria aos braços de Lula, para afastar aquele que foi escolhido justamente para enfrentar o clã de Lula? Um salto “do oito ao oitenta”, para logo após ir do “oitenta ao oito”: parece tão razoável assim?
Faz sentido pensar, sob essa perspectiva, que talvez o eleitorado nacional reaja bem a um perfil equilibrado, que não traga a sempre desgastante retórica do “cataclismo contra a salvação”. A fragilidade de Lula é um potencial, baseado no desgaste acumulado por mais de três décadas de discursos polarizados e ameaçadores. Porém, cabe aos adversários transformar esse potencial em realidade.