PAULO DINIZ

Mesmo que nenhum deles o queira, vai ter guerra na Coreia?

Oponentes mantêm bastante alto o risco de um conflito


Publicado em 23 de maio de 2017 | 03:00
 
 
 
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A política mundial vive dias de tensão em torno da Coreia do Norte, com sua retórica belicista e, principalmente, seu arsenal nuclear. O líder norte-coreano, Kim Jong-un, terceira geração de uma família de ditadores muito mais agressiva no uso dos adjetivos do que das armas, merece ainda assim crédito por suas hiperbólicas ameaças aos Estados Unidos e à Coreia do Sul: dado o alto grau de isolamento de Jong-un e de seu país em relação ao resto do mundo, pode-se esperar que o governo norte-coreano tenha uma visão distorcida da realidade. Assim, seus delírios persecutórios podem mesmo motivar um ataque militar.

Porém, mesmo que dotado de capacidade para atingir duramente a Coreia do Sul, o regime de Kim Jong-un deve mesmo esperar uma reação forte o suficiente para arrasar seu país. Dessa forma, é razoável considerar que os planos dos norte-coreanos busquem, de fato, obter concessões da comunidade internacional, que mantém um embargo econômico contra o país asiático, e não necessariamente levar o mundo a seu primeiro conflito nuclear.

É útil relembrar, nesse sentido, a estratégia utilizada pelos EUA no governo de Bill Clinton: destinar à Coreia do Norte carregamentos frequentes de alimentos, medida bastante eficaz para acalmar estômagos e ânimos da nação comunista. É difícil esperar, entretanto, que Donald Trump adote uma medida desse tipo: o mandatário ianque ganhou destaque ao criticar a política de acordos que Barack Obama teceu com inimigos históricos do país, como Cuba e Irã, sendo este um oponente com programa nuclear em andamento. Além disso, os EUA têm hoje uma equipe de governo repleta de novatos no trato dos interesses de Estado; não seria razoável esperar muita habilidade ou refinamento estratégico da equipe de Trump ao conduzir a crise com a Coreia do Norte. A própria retórica do presidente norte-americano contribui para aumentar a tensão, potencializando a chance de que surja um erro capaz de detonar a guerra.

A possibilidade de que ocorra o conflito nuclear, mesmo que as partes envolvidas não o queiram, decorre também do número de participantes na questão. A China, por exemplo, costumava desempenhar o papel de único fiador político de peso do regime norte-coreano; agora, pratica contra este o expediente das ameaças verbais combinadas com exercícios militares em zona de fronteira. Receosa de que a crise acabe por impulsionar a influência dos EUA na Ásia, a China se vê obrigada a agir sempre calculando os efeitos produzidos sobre a Coreia do Norte e os EUA: algo difícil e arriscado, mesmo para os habilidosos estrategistas chineses. Some-se a esse quadro o crescente interesse russo em opinar sobre as atitudes norte-coreanas, e temos, assim, mais uma fonte de preocupações para a China.

A Coreia do Sul, primeira vítima de uma confrontação militar, certamente não está disposta a aguardar que as grandes potências se entendam para revidar a qualquer ameaça vinda dos vizinhos do norte. Recém-saídos de um escândalo de corrupção que levou ao impeachment de sua presidente, os sul-coreanos realizaram há duas semanas eleição para escolha de seu líder, o que configura um ambiente político ainda turbulento no país.

Temos, assim, uma situação na qual ninguém quer uma guerra, mas todos contribuem para que esta ocorra: seja por inexperiência, falta de habilidade ou por simples incompreensão dos oponentes, todos mantêm bastante alto o risco de conflito.

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