PAULO DINIZ

Venezuela: a crise também é da burocracia

O poder de verdade está nas mãos dos militares


Publicado em 14 de maio de 2019 | 03:00
 
 
 
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A crise política na Venezuela vem atingindo patamares críticos nas últimas semanas. Os líderes da oposição, Juan Guaidó e Leopoldo Lopez, anunciaram o início da rebelião que derrubaria o regime de Nicolás Maduro, com a adesão de militares.

O que deve ser percebido, entretanto, é que as estruturas de poder hoje vigentes na Venezuela são altamente descentralizadas, o que torna o presidente Nicolás Maduro uma figura bastante simbólica. Carente do carisma e, principalmente, da liderança de seu antecessor Hugo Chávez, Maduro não demonstra ter tido sucesso em controlar os inúmeros núcleos de poder que tomaram conta da burocracia do Estado venezuelano.

Dessa forma, há milhares de interessados – com poder em mãos – em que tudo permaneça como está, principalmente porque todo o desgaste político é canalizado para o ocupante da Presidência, e não para a gigantesca casta que controla o funcionamento do Estado.

Esse impasse de cunho político-burocrático foi sendo construído ao longo dos anos de governo de Hugo Chávez: sempre ávido por colocar em prática seus projetos, o antigo comandante da Venezuela costumava contornar de várias formas os obstáculos que encontrava pelo caminho e que pudessem impedir ou atrasar seu governo. Nesse sentido, estatizou redes de supermercados, extinguiu e criou vários órgãos públicos, exonerou milhares de servidores e, como regra quase constante, entregou a militares o controle dos setores de seu interesse no momento. Essa estrutura de gestão paralela, por mais que desse agilidade momentânea no cumprimento das ordens de Chávez, gerou problemas graves de coordenação entre os distintos setores governamentais, algo que hoje se percebe pela inoperância de serviços públicos básicos no país – como água, luz e transportes.

O matiz militar que marcou essa estrutura improvisada de gestão trouxe consigo mais um problema: a disciplina. Enquanto Hugo Chávez, militar de carreira e politicamente forte, tinha argumentos de sobra para manter a obediência dos novos órgãos de gestão, a Nicolás Maduro faltam os predicados mais simples que pudessem impor respeito à tropa. Dessa forma, o personalismo tomou conta, fazendo de cada chefe de repartição pública o dono virtual desTa.

As Forças Armadas da Venezuela contam com mais de 2.000 oficiais de patente equivalente à de general – número dez vezes superior ao do Brasil –, de forma que é essa pequena multidão que comanda hoje o país. Cada general, ávido das benesses que recolhe por gerir seu quinhão do Estado, calcula e recalcula suas chances de manter seus privilégios na eventualidade de um verdadeiro governo Guaidó; até agora, ao que parece, as probabilidades ainda apontam para a manutenção do status quo.

No limite das pressões populares e internacionais, os militares venezuelanos podem acenar com a troca de Maduro por outro governante figurativo. Alguém, enfim, com poucas chances de lhes arrebatar o poder sobre a burocracia estatal.

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