Neste ano, na ceia de Natal da típica família argentina, não houve sonhos nem esperanças. Mais uma vez estavam servidas à mesa tristeza, desilusão e incertezas, pois o presente do novo governo ao país em crise foi a surrada estratégia malsucedida de outros tempos: um plano emergencial com aumento de impostos, controle do câmbio e promessas para promover o crescimento. A população tem suas razões para não acreditar no governo, seja lá qual for, e para manter sua poupança em dólares, tamanha sua descrença no país. Tantos natais iguais a esse se repetem há décadas. Neste século, Alberto Fernández já é o sétimo presidente. Na crise de 2000, foram três presidentes, até a eleição de Nestor Kirchner, em 2003. A história tem mostrado que, na ausência dos militares, o poder tende entre o Partido Justicialista, uma frente ampla do peronismo, e a União Cívica Radical, sua adversária. Mais do que uma ideologia, o peronismo é um sentimento amplo, difuso, que abarca organizações sindicais trabalhistas e patronais, corporações de servidores públicos, os que querem um Estado forte para protegê-los, e o saudosismo da Argentina próspera, do passado.
Mais do que um partido político, é um movimento corporativo populista. A União Cívica Radical não tem raízes populares e, por isso, não se sustenta no governo. Na Argentina, não se atinge o equilíbrio político com acordos partidários. Além de tudo, Alberto Fernández carrega um pesado fardo: Cristina Kirchner, a ex-presidente que deixou um legado de incompetência, corrupção e crise. Na parede da sala de jantar da família, estão três fotos. No centro, Evita Perón, com a identificação “Líder espiritual da Nação”, título que lhe foi outorgado por uma declaração legislativa, logo após sua morte prematura, em 26 de julho de 1952. De um lado, está Maradona, com a camisa da seleção argentina, campeã do mundo em 1986; e, de outro, Papa Francisco. Os três heróis nacionais. No necrológio de Evita, o jornalista Augusto Mário Delfino escreveu: “Comove profundamente o país a morte, hoje, de Eva Perón, aos 33 anos. Nas ruas metropolitanas, em todas as cidades e vilas da República, em qualquer lugar do território nacional, onde alguém seguiu com fé suas palavras e suas ações em prol dos mais necessitados e desvalidos, há um sentimento de dor e uma sensação de perplexidade”. E de orfandade, acrescentaria eu. Em 1974, no governo de Isabelita Perón, o corpo embalsamado de Evita voltou a Buenos Aires para seu segundo sepultamento. O povo argentino, contrito, acompanhou o longo cortejo fúnebre do aeroporto até o cemitério da Recoleta.
O silêncio respeitoso era cortado apenas pelo tilintar agudo dos cascos dos grandes e esbeltos cavalos ao bater forte sobre as pedras do calçamento, puxando lentamente a carruagem que levava o caixão. Nada mais se ouvia. Com Evita, foi sepultada a própria Nação.