PAULO PAIVA

Democracia líquida

Bolsonaro não cumpriu nenhum dos três pilares de campanha que o levaram à vitória em 2018


Publicado em 12 de março de 2021 | 03:00
 
 
 
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Os compromissos de Bolsonaro ao se candidatar presidente eram bem claros: recuperar a economia por meio de políticas liberais, combater a corrupção, apoiando a operação Lava Jato, e rejeitar a velha política. Sua eleição foi um voto de negação à hegemonia petista, à corrupção, à recessão e ao desemprego.

Mas nada se sustentou, o liberalismo foi apenas uma vã promessa eleitoral, a operação Lava Jato sucumbiu enterrada juntamente com seu ex-juiz Moro, e o presidente se abraçou aos políticos que, antes, havia condenado, visando, sem pudor, barrar os pedidos de impeachment e turbinar sua reeleição em 2022. Na pandemia, Bolsonaro tenciona as relações federativas e as relações entre os Poderes.

Os eventos desta semana repuseram o ex-detento Lula no centro do jogo político. Nada mais está sólido como antes parecia. As relações políticas ficaram líquidas. As incertezas, que já eram grandes, ficaram ainda maiores. Enfim, a crise da democracia é o colapso da confiança.

O sociólogo judeu, nascido na Polônia, Zygmunt Bauman incorporou-se ao exército de seu país que se aliou às forças soviéticas, na resistência à invasão nazista, e filiou-se ao partido comunista polonês. Conheceu, resistiu e enfrentou as atrocidades tanto da invasão alemã à Polônia quanto da dominação stalinista, no pós-guerra. Expulso da Polônia e do partido comunista, continuou sua carreira acadêmica na Universidade de Leeds, na Inglaterra.

Em oposição ao que chamou de modernidade sólida – uma visão de que as relações sociais, econômicas e pessoais eram estáveis e previsíveis –, Bauman desenvolveu a teoria da modernidade líquida, uma crítica à pós-modernidade e à globalização. Em sua concepção, as relações sociais, econômicas e políticas perderam sua estabilidade, tornando-se fluidas, fugazes e passageiras.

Nesses tempos estranhos, a visão de Bauman parece fazer sentido. A democracia representativa tem sido corroída por dentro, mundo afora. Aqui, as instituições estão sendo abaladas há algum tempo. A introdução do estatuto da reeleição, no primeiro governo FHC, a corrupção sistêmica no governo Lula, expondo as vísceras do poder submetido a interesses privados, e o final antecipado pelo impeachment do malsucedido governo de Dilma, fiscalmente irresponsável, que jogou o país na recessão, culminaram na imprevisível eleição de Bolsonaro.

Bauman nos alertou que em uma democracia líquida não há laços permanentes, mas amarrados frouxamente para que possam ser desatados, tão rápido e tão facilmente quanto possível, quando as circunstâncias mudarem. Assim, no contexto dessa modernidade líquida, os acordos são temporários, passageiros, válidos até novo aviso, ou por seu rompimento sem nem sequer um aviso.

Os fatos mostram que o que aparentava solidez, como a ética, as instituições democráticas, a política e até a hermenêutica, tornou-se líquido. Restam para o futuro insegurança e medo.

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