Caro Roberto, eu espero encontrá-lo bem e em paz de espírito. O tempo está passado muito rápido por aqui. Estamos em tempos estranhos, os quais jamais pensei que pudéssemos vivê-los. O ódio superou a compreensão; a mentira sufocou a verdade; a violência destruiu a paz; a irracionalidade eliminou a razoabilidade. Por cima de tudo, com essa pandemia mudando a rotina nesse mundo, o que já estava sombrio ficou incerto. Temo que a Terra seja expelida do sistema solar e caminhe andarilha, sozinha, sem rumo no universo.
Não é dessas coisas tristes, no entanto, que eu queria lhe falar. Delas, os amigos, que em levas cada vez maiores estão chegando por aí, lhes dão notícias diariamente.
O que desejo mesmo lhe dizer é que hoje é dia de festas aqui no reino abençoado de Pelé. Sua Majestade completa 80 anos. Oitenta anos bem vividos, diga-se. Digo “reino”, porque, aqui, a República presidencialista, sem se dar conta, convive com a Monarquia Democrática Tropical, cujo rei, primeiro e único, é nosso querido Pelé. Essa monarquia não trata das coisas banais, como economia e política. Não é disputada pelos obcecados pelo poder nem pela ganância dos que acreditam que a eternidade se ganha com acumulação de riqueza.
Ao contrário, sua monarquia, multicolorida e solidária, preserva os valores intangíveis da sociedade. Cultua a convivência na diversidade. Une raças. Nela, negros, mulatos, índios e brancos são iguais nos seus sentimentos, nas suas alegrias e tristezas, nos seus direitos e deveres.
Você há de se recordar, Roberto, quantas crianças se apaixonaram pelo futebol ao serem encantadas pela magia de Pelé. Mesmo os adversários, que torciam contra o Santos ou contra a seleção brasileira, saudavam-no. Quantas vezes, aqui no Mineirão, nós, americanos, atleticanos e cruzeirenses, aplaudimo-lo, se não gritando seu nome, aclamando-o in pectore.
Sua monarquia, democrática na fé, une religiões. Une católicos, evangélicos, espíritas, umbandistas, candomblecistas e tantos outros, crentes ou ateus, que nos estádios e nas ruas até hoje, irmanados, saúdam o Rei Pelé. O rei que leva a paz onde há guerra; que leva alegria onde há tristeza; que leva esperança onde há descrença.
Sua monarquia tropical é universal. Pelé participou, em 2000, da celebração dos 500 anos do descobrimento do Brasil, na sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington. Impressionou-me a multidão de crianças e jovens, que jamais o viram jogar, aglomerada na frente da sede do banco, para reverenciá-lo. Na ocasião, ele me confessou agradecer sempre a Deus por ter lhe dado a graça para levar alegria a tantas crianças.
Hoje, no seu 80º aniversário, desejamos vida longa ao rei e à sua monarquia.
Peço-lhe que agradeça ao Dondinho e à Dona Celeste por ter dado ao Brasil essa majestade.
Fique com Deus, que aqui fico eu com Ele e com Pelé. Abraços com afeto.