O Estado moderno surgiu para reprimir os homens que, no estado de natureza, viviam em luta permanente, uns contra os outros (Hobbes, 1588-1679). Mais tarde, Locke (1632-1704) advertiu que o Estado seria necessário para garantir os direitos fundamentais das pessoas (vida, liberdade e propriedade).

A organização do Estado resulta de um pacto social consolidado na Carta Magna de uma nação soberana. No Brasil, o parágrafo 3º do art. 1º da Constituição Federal amplia o escopo do Estado para além dos direitos fundamentais de Locke, estabelecendo como sua responsabilidade constituir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Até aqui o óbvio. Todos conhecem e deveriam seguir esses princípios e seus ordenamentos. No entanto, não é bem assim que se passa aqui.

O Estado chegou antes do mercado (Raymundo Faoro, 1925-2003), ainda no período colonial, e veio impregnado pelo patrimonialismo que, como Macunaíma e sua metamorfose, subsiste até a atualidade, sem perder jamais sua falta de caráter.

Esse Estado continuou sendo apropriado também por (i) corporativismo. Bons exemplos são, hoje, as remunerações e os benefícios dos magistrados, no Poder Judiciário, dos procuradores, no Ministério Público, dos membros do Poder Legislativo e de algumas categorias profissionais, no Poder Executivo; (ii) interesses privados por meio de subsídios, isenções fiscais e legislações específicas; (iii) interesses partidários, como as diferentes formas de transferências de recursos públicos, como fundos partidários e eleitorais, emendas orçamentárias etc.; e (iv) a nefasta corrupção.

O Estado brasileiro está sendo, assim, assaltado por grupos de interesses, que são, diretamente, financiados pela população que paga imposto, mas não recebe políticas públicas de qualidade, e, indiretamente, por aqueles que não têm acesso à renda ou, quando têm, recebem baixa remuneração.

O que assistimos no âmbito político é estarrecedor. Grupos lutam pelos privilégios do Estado, como corvos disputam carniça. Os embates entre bolsonaristas e petistas são festas de horrores, expondo seus verdadeiros interesses. Alguém imagina que algum deles esteja defendendo os direitos fundamentais dos cidadãos? Não! Querem se servir do Estado.

Por fim, o avanço do tráfico de drogas e das milícias sobre parte do Rio de Janeiro e da Bahia e a expansão do garimpo irregular na Amazônia são evidências cristalinas de que o Estado não é soberano, pois não tem mais o domínio sobre a totalidade de seu território.

Se o Estado não garante a vida, a liberdade e a propriedade, tampouco tem o controle integral do seu território, volta-se ao estado de natureza.