O mais tradicional indicador demográfico é a esperança de vida, que indica qual seria, em média, a idade em que uma pessoa morreria, se estivesse sujeita às taxas de mortalidade – total de óbitos por 100 mil pessoas – para cada idade restante, no ano da observação. Ao longo dos anos, o progresso das ciências, o aumento dos investimentos em saúde pública e a melhoria geral nas condições de vida têm eliminado e controlado doenças, diminuindo os níveis de mortalidade e, consequentemente, estendendo a vida das pessoas. Uma criança no Brasil viveria, em média, 48 anos, se nascida em 1960, ou 73,4 anos, se em 2010. Um adicional de 25,4 anos de vida em meio século.

A história registra apenas dois eventos que, até então, interromperam temporariamente a tendência secular de aumento na longevidade das populações, mas com reversão imediata: as duas guerras mundiais e as pandemias, como a da gripe espanhola, no período de 1918 a 1920.
Márcia de Castro (Harvard), Susie Gurzenda (Harvard), Cássio Turra (Cedeplar/UFMG), Sun Kin (Harvard), Theresa Andrasfay (Universidade do Sul da Califórnia) e Leonard Davis (Princeton), para avaliar o impacto da pandemia, em 2020, realizaram estudo inovador, “Reduction in the 2020 Life Expectancy in Brasil after Covid-19”, estimando a esperança de vida para homens e mulheres e para cada Estado da Federação, tanto ao nascer quanto aos 65 anos de idade.

Olhando a esperança de vida ao nascer para o total da população, vê-se que, neste século, sem o impacto da pandemia, haveria um aumento de 6,9 anos entre 2000 (69,8 anos) e 2020 (76,7 anos). Adicionando as mortes registradas por Covid-19 em 2020, a esperança de vida ao nascer caiu para 74,2, redução de 2,5 anos na vida média dos brasileiros, ou 36% dos ganhos nos últimos 20 anos.

Quando os resultados com impacto da Covid-19 são confrontados com os que seriam no ano passado sem pandemia, considerando as diferenças entre a esperança de vida ao nascer e aos 65 anos, tanto para homens quanto para mulheres, e entre os Estados, a amplitude da queda devido à pandemia varia entre cinco e 20 anos.

Os autores concluem que os impactos da mortalidade por Covid-19 no Brasil são catastróficos. Ganhos de longevidade por muitas décadas estão sendo revertidos rapidamente em vários Estados. Chamam a atenção para a falta de liderança comprometida com a vida e de coordenação nas ações de combate à pandemia. Observam, ainda, que os resultados mostram uma correlação positiva entre as perdas em expectativa de vida nos Estados e o alinhamento político dos governadores em relação ao presidente da República.

As mortes continuam aumentando, prolongado a catástrofe e reduzindo a esperança de vida. A contribuição da demografia poderá botar mais combustível na fogueira dos debates na novel CPI da Covid-19 no Senado Federal.