Entre 2006 e 2012, ocorreu no Brasil um intenso processo de migração de famílias das classes D e E (as mais pobres) para a classe C, que cresceu 6,2% ao ano, formando um novo segmento de classe média na sociedade. Durante o período recessivo da economia brasileira, a partir de 2014, mais de 4 milhões de famílias que se encontravam na classe C retornaram para as classes D e E, revertendo o processo de mobilidade social do ciclo de prosperidade. Embora esse ritmo de migração entre classes esteja diminuindo recentemente, ainda poderá ocorrer um empobrecimento da classe média se a nova política econômica, que se inicia em 2019, não evitar um segundo mergulho recessivo da economia brasileira. É possível, ainda, que ocorra um deslocamento de famílias de renda mais alta para a classe C, sinalizando um empobrecimento geral da sociedade brasileira.

O crescimento da renda total da classe média foi fundamental para a expansão do consumo de bens duráveis e não duráveis no mercado interno brasileiro. Como se sabe, o mercado interno de um país se expande em função de três fatores determinantes: o aumento da produtividade, o crescimento demográfico e a melhoria na distribuição da renda e da riqueza. Assim, quanto maior a população de um país, quanto mais elevada a sua produtividade e mais bem distribuída a sua renda e a sua riqueza, maior será a dimensão do seu mercado interno.

No caso brasileiro, o mercado interno ainda é relativamente pequeno, tendo em vista que a nossa produtividade total é baixa quando comparada com a dos países desenvolvidos e emergentes. Não só é baixa, mas tem crescido muito lentamente. O impulso ocorrido no consumo privado se deu graças à melhoria na distribuição de renda em virtude das políticas sociais compensatórias previstas na Constituição de 1988, à política mais generosa do salário mínimo, que chegou a crescer 60% acima da inflação, e ao crescimento dos níveis de emprego formal.

Mas o estilo da política econômica de austeridade fiscal sem um plano de desenvolvimento sustentável, que se iniciou de forma consistente em 2014, gerou um conjunto de indicadores que sinalizam a presença de um tripé de desigualdades sociais: desigualdades de renda, desigualdades de riqueza e desigualdades de oportunidades.

A atual desigualdade de oportunidades influencia os padrões do tripé das desigualdades no futuro. Embora, em princípio, todos devam ter um ponto de partida em condições iguais para realizar seus projetos de vida, as oportunidades desiguais e a mobilidade social limitada fazem com que os beneficiários das desigualdades de resultados hoje (os mais ricos, os mais poderosos) continuem a transmitir vantagens injustas para os seus descendentes amanhã. Assim, vão se reproduzindo os padrões de desigualdades na sociedade. Não é difícil imaginar quais seriam as oportunidades que vão se abrir no futuro para uma criança de cor negra, de sexo feminino e de família de classe D ou E, quando comparadas com as oportunidades que se abrirão no futuro para uma criança de cor branca, de sexo masculino e de família de classe A ou B. É a loteria da vida definindo o provável futuro de cada um.

É indispensável, pois, que o Brasil, por meio de políticas públicas, amplie e flexibilize os canais de mobilidade social que continuam viscosos e congestionados. Como dizia Adam Smith, em 1776, nenhuma sociedade poderá certamente florescer e ser feliz se grande parte de seus membros for constituída de pobres e miseráveis.