PAULO HADDAD

De ajuste em ajuste

Enquanto se buscava uma taxa de inflação civilizada e um equilíbrio melhor das contas consolidadas do governo federal, as taxas de desemprego e de subemprego se expandiram


Publicado em 28 de novembro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Durante o último quinquênio, a economia brasileira vivenciou três experiências de ajuste tendo em comum a disciplina fiscal, as privatizações, as desregulamentações, a reorientação das despesas públicas etc., acompanhando a agenda doutrinária de uma versão ampliada do Consenso de Washington. Todas as mudanças deixaram alguns resultados positivos para o equilíbrio e a consistência da macroeconomia de curto prazo do país. Dois desses resultados merecem destaque: o controle consistente do processo inflacionário e a melhoria relativa das finanças públicas federais, particularmente com a bem-sucedida reforma da Previdência.

De ajuste em ajuste, tendo como fundamento uma política de austeridade fiscal expansionista, o que se ganhou em termos de políticas econômicas de curto prazo ocasionou perdas em termos dos objetivos das políticas de desenvolvimento sustentável de médio e de longo prazo. Enquanto se buscava uma taxa de inflação civilizada e um equilíbrio melhor das contas consolidadas do governo federal, as taxas de desemprego e de subemprego se expandiram, cresceu muito o número de brasileiros mais pobres e miseráveis, ampliou-se o nível das desigualdades de renda e de riqueza, encolheu-se o campo de oportunidades para os nossos jovens.

Enfim, um desencontro entre os objetivos de curto prazo, condicionados pela política econômica, e os objetivos de médio e de longo prazo, imprescindíveis para a sociedade se desenvolver sendo competitiva globalmente, com justiça social e sustentabilidade ambiental. Não se pode, pois, esperar que as soluções dos nossos problemas de estrutura (os de médio e de longo prazo) fiquem cronologicamente condicionadas pelas soluções dos problemas de conjuntura (os de curto prazo).

O papel do tempo na análise dos problemas econômicos sempre foi uma questão controversa. Em 1923, Keynes, o principal economista do século XX, procurava estabelecer uma noção clara do que seria o curto prazo. Para ele, no curto prazo, há um passado que já transcorreu e trouxe, para o presente, a acumulação de um estoque de capital físico (fábricas, áreas agricultáveis, infraestrutura econômica e social), um dado perfil de distribuição de renda e de riqueza, uma força de trabalho com diferentes qualificações, os fundamentos das instituições políticas e sociais e certo grau de degradação do capital natural etc. Políticas econômicas de curto prazo devem ser operadas dentro das restrições impostas por um tempo histórico e irreversível.

Entretanto, uma sequência quase interminável de políticas de estabilização, como vem ocorrendo no último quinquênio, pode impactar sensivelmente a distribuição funcional e pessoal da renda nacional, a estrutura e a qualidade da oferta de serviços públicos tradicionais, os níveis de riscos e de incertezas dos investimentos diretamente produtivos etc. Ou seja, de ajuste em ajuste, o que se pensava ser tão somente políticas explícitas de curto prazo vai se tornando políticas implícitas de médio e de longo prazo.

Como diz o poeta Mário Quintana: “O passado é lição para refletir. Não para repetir”. E a nossa lição é pôr em marcha um novo paradigma de desenvolvimento sustentável, cujas ações programáticas possam vingar num ambiente macroeconômico de ajustes fiscais e financeiros, rigorosos e recorrentes.

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