PAULO HADDAD

Incertezas no horizonte dos projetos de mineração

Empresas precisam conceber 'a licença social de operação'


Publicado em 07 de setembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Além das incertezas gerais que caracterizam o atual contexto histórico da economia brasileira, o setor extrativo mineral está vivendo um conjunto de incertezas específicas, tanto em suas atividades operacionais quanto nas decisões estratégicas de investimentos. Acompanhei recentemente as imensas dificuldades encontradas para viabilizar dois grandes projetos em mineração: o maior programa de investimento em minério de ferro da Vale no Quadrilátero Ferrífero (o Projeto Apolo) e um projeto de exploração de bauxita da Rio Tinto, na Calha Norte, no Estado do Pará. Além de seus impactos macroeconômicos na formação do superávit comercial, eles têm a capacidade de alavancar um processo de crescimento econômico em suas áreas de influência regional, gerando emprego e renda, além de ampliar a base tributável de Estados e municípios e promover o desenvolvimento humano de seus habitantes.

Os projetos tiveram, de um lado, o inequívoco apoio das lideranças políticas locais e, por outro, a forte resistência de algumas instituições públicas e privadas a sua implementação. Acabaram sendo postergados, sem perspectiva de serem viabilizados no médio prazo e sem um horizonte de soluções para os impasses criados.

Creio que dificilmente veremos a execução de novos grandes projetos de mineração no Brasil num futuro próximo, assim como em algumas regiões da África e da América Latina, se não houver uma renovação de ideias quanto à concepção desses projetos e quanto aos paradigmas de negócios estabelecidos na alta direção de muitas empresas de mineração no Brasil.

Mudanças profundas são necessárias nos paradigmas de gestão de muitas empresas mineradoras, cujo valor primário, que orienta o foco de suas ações programáticas, tem sido apenas a maximização dos ganhos financeiros de seus acionistas, mesmo que esses ganhos estejam manchados de lama e de sangue, sem a preocupação com o valor público dos empreendimentos. O valor público se refere à responsabilidade social ampliada das corporações no século XXI, que busca integrar eficiência econômica, sustentabilidade ambiental e justiça social em suas ações operacionais e estratégicas.

Vejam a concepção de muitos projetos de mineração quanto aos ecossistemas das regiões em que inserem seus investimentos. Mesmo adotando uma atitude minimalista em relação às estruturas regulatórias prevalecentes, frequentemente tratam o meio ambiente como um mega-almoxarifado, de onde extraem recursos naturais, e como um megadepósito ou lixão, onde depositam seus resíduos ou dejetos industriais.

Muitas mineradoras desconhecem os efeitos colaterais e externos de suas ações sobre o desenvolvimento sustentável da região e o bem-estar social da população. Têm dificuldades para integrar expectativas heterogêneas e promover a gestão de conflitos paralisantes, o que leva à insatisfação, ao inconformismo e à resistência de diferentes grupos sociais aos projetos.

Enfim, não percebem que, lado a lado com as licenças legais de operação e instalação de seus empreendimentos, precisam conceber e executar “a licença social de operação”, um instrumento de diálogo e de negociação com os principais atores envolvidos nos custos e benefícios dos investimentos. Frequentemente, nesse processo, os atores que representam os interesses das gerações futuras quanto ao uso dos ativos e serviços ambientais são o Ministério Público, as organizações não governamentais e os movimentos sociais.

Mas, como escreveu Keynes em dezembro de 1935: “A dificuldade está não nas novas ideias, mas em escapar das velhas, que se ramificam, para aqueles que foram criados como a maioria de nós foi, por todos os cantos de nossas mentes”.

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