PAULO HADDAD

Insegurança financeira

As famílias brasileiras se endividaram, sob constrangimento financeiros, por não disporem de poupanças ou de ativos para venda e, muitas vezes, para atender as suas necessidades básicas.


Publicado em 02 de julho de 2020 | 09:18
 
 
 
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Qual será a situação socioeconômica das famílias brasileiras no período pós-pandemia? Em primeiro lugar, é preciso destacar algumas características da economia do país antes do início da pandemia, especificamente no primeiro bimestre de 2020. Diferentemente do ambiente de prosperidade que prevalecia em muitos países do mundo, cujas economias voltaram a crescer após a crise financeira de 2008, o Brasil vivenciava mais uma década perdida de desenvolvimento. O quadro econômico pré-pandemia revelava um crescimento insignificante desde 2014, com elevadas taxas de desemprego e de subemprego e abissal concentração de renda e de riqueza.

Nesse contexto, as famílias brasileiras, principalmente as de classe média e as mais pobres, estavam reféns de três tensões psicossociais e político-institucionais. O desemprego e a renda em queda conduziram ao seu empobrecimento. A perda de qualidade nos serviços públicos essenciais afetou o seu bem-estar social. As incertezas quanto à realização de suas oportunidades futuras trouxeram-lhes fadiga e estresse emocional.

Esse longo período de mazelas socioeconômicas sofrido pelas famílias brasileiras não comprometeu, contudo, o seu inconformismo quanto ao processo cruel, difuso e silencioso de seu empobrecimento e de assimetrias sociais. Ao contrário, estão politicamente conscientes de que o país precisa passar por uma grande transformação, que dificilmente ocorrerá a partir de ideias e doutrinas historicamente superadas ou de governos que atuam casuisticamente, de acordo com regras espúrias de sobrevivência no poder.

Preocupa-nos o elevado Índice de Segurança Financeira das famílias brasileiras, que sinaliza o número de adultos que não têm capacidade de enfrentar despesas inesperadas de saúde, educação, alimentação etc., a não ser vendendo algum ativo (ações, imóveis etc.) que eventualmente possuam ou tomando dinheiro emprestado. O endividamento dos brasileiros atingiu recorde em março, segundo a Confederação Nacional do Comércio: o percentual das famílias com dívidas era de 66,2 %, o maior patamar desde janeiro de 2010, quando se iniciou a pesquisa.

Essas famílias se endividaram, sob constrangimento financeiros, por não disporem de poupanças ou de ativos para venda e, muitas vezes, para atender as suas necessidades básicas. Quase um terço da renda das famílias está comprometido com dívidas, sendo que o cartão de crédito segue em primeiro lugar (78,4%) como principal tipo de dívida dos brasileiros, mesmo sendo, em maio deste ano, o juro médio total cobrado pelos bancos no rotativo do cartão de crédito equivalente a 303,4% ao ano. Assim, com o desemprego provocado pela pandemia e o elevado comprometimento das rendas disponíveis com o endividamento, não se pode esperar que a retomada do crescimento econômico pós-pandemia venha do consumo das famílias, o qual é responsável por mais de dois terços da despesa nacional.

É preciso que o Banco Central utilize mecanismos e instrumentos de política monetária para interromper esse processo e normalizar a situação das famílias. Como diz Hyman Minsky: “Pressões financeiras na forma de compromissos e de pagamentos com marcantes dívidas de curto prazo e valores declinantes de ativos ameaçam tornar tensões financeiras em desastre financeiro. A fim de evitar uma crise abrangente, refinanciamento é necessário”.

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