PAULO HADDAD

O efeito dominó da crise fiscal nos Estados e nos municípios

Rebeliões em prisões, filas na saúde e atrasos no funcionalismo


Publicado em 13 de janeiro de 2018 | 03:00
 
 
 
normal

Em1965, quando era ministro do Planejamento, Roberto Campos afirmava que a solução dos problemas macroeconômicos do Brasil não seria sustentável se não houvesse um tratamento diferenciado e integrado para o equilíbrio fiscal dos Estados e dos municípios. Na elaboração do Programa de Estabilização Econômica (Paeg), juntamente com Gouveia de Bulhões, então ministro da Fazenda, chegou a cunhar a expressão “inflação federativa” para afirmar que a estabilidade monetária não ocorreria se não fossem equacionados os megadéficits fiscais dos Estados e municípios à época.

Se acontecem rebeliões em presídios, se filas se formam nos centros de saúde e se atrasos são frequentes nos pagamentos do funcionalismo público dos Estados e municípios, a qualidade de vida do cidadão comum cai sensivelmente: menos segurança, mais incertezas e mais desalento sobre o que poderá ocorrer em seu dia a dia. É bom lembrar que, em seu conjunto, os Estados e municípios, durante vários anos deste século XXI, contribuíram positivamente com superávits fiscais para a formação do superávit primário do setor público consolidado brasileiro. E que a deterioração acelerada das finanças públicas de alguns Estados e municípios é um evento relativamente recente, embora previsível.

Papel central da crise fiscal é, sem dúvida, a má gestão operacional e estratégica das contas públicas de alguns Estados e municípios, a ponto de perderem o controle da evolução de suas despesas correntes, as quais avançaram celeremente sobre suas receitas líquidas. Há casos também de contaminação das epidemias da corrupção administrativa avassaladora em órgãos da administração direta e indireta, estaduais e municipais. Mas, ao contrário, em muitos Estados e municípios a fragilização de suas finanças ocorreu, predominantemente, como consequência das mazelas econômicas e sociais da recessão que assolou o país desde 2014.

Estados e municípios perderam expressivas receitas tributárias próprias e de transferências do governo federal num contexto em que suas despesas eram rígidas e inflexíveis por causa de decisões constitucionais e políticas assumidas no passado, assim como da expansão dessas despesas pela pressão da demanda dos desempregados e da classe média empobrecida sobre os serviços públicos de saúde e educação.

Em países de grande tamanho e com regiões heterogêneas, os ciclos das economias estaduais e suas áreas geográficas são bastante diversificados em relação ao próprio ciclo da economia nacional. Há dois fatores de maior destaque para analisar como a recessão econômica chega diferenciadamente aos Estados e municípios: um, estrutural, e outro, diferencial. As economias estaduais e municipais, cuja estrutura produtiva apresenta maior grau de especialização em setores globalmente competitivos, vão se destacar com taxas elevadas de crescimento, apesar da recessão. O segundo fator se refere ao componente de desempenho diferencial das organizações produtivas regionais ou locais que se reestruturaram e se tornaram competitivas globalmente pós-abertura econômica dos anos 90, levando o desenvolvimento às áreas em que se localizam.

Se o governo federal não ampliar o escopo de seu ajuste fiscal e se concentrar apenas no equilíbrio de suas próprias contas, poderá ser surpreendido pelo tamanho dos imensos déficits fiscais e desequilíbrios previdenciários dos Estados e municípios e seu potencial de instabilidade política e tensão social no médio prazo. Como dizia o filósofo Immanuel Kant: “Quem não sabe o que busca não identifica o que acha”.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!