PAULO HADDAD

O Quadrilátero Ferrífero

Como é uma região rica em diferentes formas de capitais, há uma tendência ao conformismo das elites quanto à urgência de uma grande transformação


Publicado em 06 de maio de 2019 | 03:00
 
 
 
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Embora o Quadrilátero Ferrífero seja a região de Minas mais conhecida, nunca chegou a ser considerada uma área–programa para fins de planejamento do seu processo de desenvolvimento sustentável. É constituída por uma área próxima a Belo Horizonte, formada por diversas cidades, destacando-se: Ouro Preto, Mariana, Brumadinho, Itabirito, Santa Bárbara, Congonhas, São Gonçalo do Rio Abaixo, Ouro Branco, entre outras.

A expansão do Quadrilátero Ferrífero se deu a partir do início do ciclo do ouro, no final do século XVII, e desde então a região passou por ciclos de prosperidade e de decadência. Cresceu com o modelo primário–exportador quando, na divisão internacional do trabalho, atendia à crescente demanda de recursos minerais dos países desenvolvidos. Cresceu com a dinamização do modelo de substituição de importações, a partir do Plano de Metas de JK, incorporando-se à cadeia produtiva mínero-metalúrgico-mecânica. Sofreu com o declínio da mineração no final do século XVIII e com a crise econômica de 1929. Passou por um intenso assentamento humano com a fundação de Belo Horizonte, no fim do século XIX.

No novo sistema de contabilidade social da ONU, destaca-se a preocupação em estimar o valor da riqueza de uma sociedade, o seu estoque de capital físico (fábricas, infraestruturas etc.), de capital natural (bacias hidrográficas, florestas pristinas ou replantadas, terras agricultáveis etc.) e também, de capital social (humano, institucional, cívico, intelectual, cultural). Apesar de ainda ser embrionário e distante dos nossos sistemas de informações, este sistema comprova o que já sabemos: que o Quadrilátero Ferrífero é uma das regiões mais ricas do Brasil e, sem dúvida, a mais rica de Minas.

Com o tempo, todo capital se deprecia e se deteriora. Instituições entram em decadência; ativos ambientais se degradam; a cidadania mergulha no desalento e na apatia política. É o que se observa no atual contexto do Quadrilátero Ferrífero: a perda de vidas humanas e a morte de dois importantes rios; a precariedade da infraestrutura de logística e de saneamento básico; a expansão de áreas periféricas onde habitam os pobres e os miseráveis, entre outras mazelas socioeconômicas e socioambientais.

Precisamos, urgentemente, elaborar um plano de ordenamento territorial para o Quadrilátero Ferrífero. Um plano que contemple os valores do milênio propostos por Ítalo Calvino: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. Um plano que adote o modelo de desenvolvimento regional endógeno, dentro do estilo de planejamento participativo. Um plano que seja estruturado para fins de negociação com instituições públicas e privadas para a sua implementação.

Como o Quadrilátero é uma região rica em diferentes formas de capitais, embora imensamente desigual e assimétrica em termos sociais e espaciais, há uma tendência ao conformismo das elites políticas e comunitárias quanto à urgência de uma grande transformação.

O tempo da decadência é lento, mas não para, e essas lideranças poderão se sentir em algum momento como Alice: “Ficou ali sentada, os olhos fechados, e quase acreditou estar no País das Maravilhas, embora soubesse que bastaria abri-los e tudo se transformaria em insípida realidade”.

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