PAULO HADDAD

Réquiem para a política econômica?

Ainda no primeiro trimestre deste ano, o vírus da pandemia penetrou nas contas públicas, exigiu medidas econômicas de gastos públicos absolutamente indispensáveis, minou o déficit público e desestruturou o escopo principal do programa de austeridade fiscal expansionista


Publicado em 16 de abril de 2020 | 16:30
 
 
 
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Em 2009, os economistas italianos Alberto Alesina e Silvia Ardagna, da Universidade de Milão, afirmaram que os governos poderiam impulsionar o crescimento econômico dos seus países se reduzissem os déficits fiscais. Em outras palavras, gastando menos ao invés de gastar mais trariam de volta o crescimento. No ano seguinte, dois economistas norte-americanos, Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, destacaram que há uma linha vermelha que o governo não pode ultrapassar: se as suas dívidas excederem 90 por cento do PIB, o crescimento econômico irá declinar.

São propostas que geraram muitas controvérsias, embora tenham se tornado o conhecimento convencional para a formação de políticas econômicas. Contudo, em vários contextos, a austeridade fiscal expansionista não é uma política adequada. Não é adequada quando as taxas de juros estão próximas de zero e as taxas de crescimento e de desemprego não reagem às mudanças na política monetária. Não é adequada quando o conjunto das economias mais desenvolvidas está deprimido, não deixando espaço para as exportações das economias periféricas menos desenvolvidas. Não é adequada para países membros de uma União Monetária que não podem substituir autonomamente a insuficiência da demanda interna pela demanda externa, através da desvalorização monetária.

No caso brasileiro, como o déficit público é de natureza estrutural e não apenas o resultado de conjunturas desfavoráveis, o programa de austeridade fiscal incorporou as reformas político-institucionais da previdência, do sistema tributário e a administrativa, redundando num eventual novo pacto federativo. Sem entrar na polêmica sobre a efetividade desse estilo de política econômica, há que registrar o elevado nível de risco à vulnerabilidade que foi assumido, desde o início de sua implementação, em virtude do sequenciamento das reformas ao se adotar um processo de reformas fragmentado.

Em 1965, Roberto Campos e Gouveia de Bulhões encontraram a economia semiestagnada e com uma superinflação. Realizaram o que se denomina de “reformas por atacado”, que é uma forma de eliminar todas as ambiguidades e incertezas com relação às consequências das estratégias das reformas se realizadas simultaneamente. Para Dani Rodrik, da Universidade de Harvard, “as reformas por atacado” são uma garantia de melhorar o bem-estar da sociedade e de se atingir o melhor crescimento econômico possível ao se eliminarem todos os obstáculos à sua frente. A principal dificuldade dessa estratégia é que sua implementação necessita de engenho e arte, num contexto de equilíbrio político muito favorável para negociações inteligentes.

A nova administração optou por uma estratégia de implementação das reformas uma a uma, considerando sua factibilidade política e sua exequibilidade no quadro das condicionalidades existentes. No interregno de uma reforma para outra, há um longo hiato na retomada do crescimento econômico, abrindo espaço para que algum evento exógeno possa desmontar toda a proposta da política econômica. E acabou por acontecer... “no meio do caminho tinha uma pedra”.

Ainda no primeiro trimestre deste ano, o vírus da pandemia penetrou nas contas públicas, exigiu medidas econômicas de gastos públicos absolutamente indispensáveis, minou o déficit público e desestruturou o escopo principal do programa de austeridade fiscal expansionista. Uma nova política econômica precisa ser urgentemente arquitetada a fim de reestruturar as expectativas e atenuar as incertezas dos agentes econômicos e das instituições em suas decisões, que não se cansam de perguntar: que rumo nos espera, após tanto desalento?

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