PAULO HADDAD

Um comerciante libanês e a aberração das taxas de juros

Redação O Tempo


Publicado em 22 de junho de 2018 | 03:00
 
 
 
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Quando meu pai, Emílio Haddad, chegou do Líbano, em 1923, foi residir em Oliveira, onde dedicou toda a sua vida de trabalho ao comércio varejista. Começou como mascate, colocando as mercadorias em lombo de burro para vendê-las nas fazendas de café da região. Posteriormente, progrediu e passou para outras atividades comerciais, tendo fases de auge e declínio econômico-financeiro, acompanhando a evolução da conjuntura brasileira.

Ao longo de sua prática comercial, o sr. Emílio aprendeu algumas regras de sobrevivência nos negócios. Uma delas era muito simples. Se alguns compradores não pagassem as contas das cadernetas do armazém no fim do mês, ele não deveria passar os custos do prejuízo para os demais compradores adimplentes. Isso porque, de um lado, não seria justo para aqueles que mantinham seus compromissos de pagamento em dia, e, por outro lado, teria que elevar seus preços, correndo o risco de perder mercado para os concorrentes.

Os manuais de economia mostram que ele tinha razão em sua intuição e aprendizado. Não há dúvidas: se o regime é de concorrência perfeita, com muitos compradores e muitos vendedores, cada um, isoladamente, por sua oferta e por sua procura, não é capaz de influenciar a formação do preço de mercado. Para cada um, o preço é dado, e qualquer tentativa de elevá-lo, solitariamente, pode significar sua exclusão do mercado.

Entretanto, isso não acontece quando o mercado é de concorrência imperfeita, havendo um único vendedor (monopólio) ou poucos ofertantes (oligopólio). Nesse caso, os empreendedores têm o que se denomina “poder de mercado” ou “capacidade de transferir custos adicionais para os consumidores por meio de seus preços de oferta”. E essa transferência é tanto mais eficaz quanto menos elástica for a demanda às variações de preços, como é caso de bens e serviços essenciais ou que não têm substitutos quando seus preços se elevam.

Ora, o Brasil tornou-se, nos últimos anos, um país de baixo crescimento econômico: de 2011 a 2017, o nosso PIB cresceu num acumulado de apenas 3,26%, enquanto o mundo acumulou um crescimento de 28,04%. Estamos ficando para trás em relação aos países desenvolvidos e também aos emergentes. Menos crescimento, menos emprego e mais pobreza.

Um dos fatores para o inexpressivo crescimento da economia brasileira são as taxas de juros que estão sendo cobradas pelos bancos na ponta do consumo e do investimento. Mesmo com a queda da taxa básica de juros do Banco Central, os bancos têm cobrado de cinco (crédito consignado) a 50 vezes (cartão de crédito) o valor dessa taxa no mercado.

A Federação Brasileira de Bancos afirma que 77% da diferença entre o custo de captação de dinheiro pelo banco e o que efetivamente cobra do cliente final se deve aos custos de intermediação financeira, e que 55,7% desses custos se devem à inadimplência dos tomadores de empréstimos. Em outras palavras: como é grande o número de tomadores que não conseguem honrar seus compromissos (em virtude da perda de renda, do desemprego, da falta de oportunidades numa economia estagnada etc.), os bancos se sentem à vontade para transferir para os tomadores adimplentes os custos de sua ineficiência operacional na análise de risco do crédito. Assim, quanto maior a incompetência na gestão do crédito, maior será o custo do dinheiro para todos, indiferentemente.

Sabem, como oligopolistas (cinco bancos controlam mais de 80% dos ativos financeiros do país), que têm o poder de transferir sua ineficiência para os adimplentes, para os atingidos pela recessão e para os conformistas. E que, em última instância, terão o socorro financeiro e a complacência do Banco Central. “E la nave va”.

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