Durante uma crise, em matéria de política econômica, interessa o que as autoridades fazem, não o que falam. Pode ocorrer o que se denomina, em psicologia social, de dissonância cognitiva, quando há uma discrepância entre crenças e comportamentos e se age diferente do que se propõe. Uma das formas de se conviver com a sensação de desconforto psicológico resultante dessa discrepância é reduzir ou racionalizar a importância da crença, alegando a superveniência de novos fatos, imprevisíveis e inesperados no processo decisório.
Há inúmeros casos para ilustrar essa dissonância na história das políticas econômicas no Brasil. Por exemplo: em 1980, quando foi criada a Secretaria Especial das Empresas Estatais, a Fundação Getulio Vargas fez um levantamento de todos os órgãos da administração indireta (empresas, autarquias, fundações) do governo federal. Conclusão: 56 % das 580 entidades foram criadas depois de 1964, num regime onde o discurso oficial era do liberalismo econômico com Estado mínimo.
Para equacionar os problemas socioeconômicos da pandemia do coronavírus, as atuais autoridades econômicas, que iniciaram a sua gestão com um discurso do liberalismo do estilo Von Hayek, vão, pouco a pouco e de maneira pragmática, construindo uma política econômica do estilo de Keynes. De um lado, o discurso da austeridade fiscal expansionista; do outro lado, a efetiva expansão acelerada e coordenada dos gastos públicos para as transferências compensatórias de renda, para a sobrevivência financeira das empresas e para o apoio às finanças públicas de Estados e municípios.
Ainda bem. Se essas decisões não fossem tomadas em tempo oportuno, constituindo uma política anticíclica com expansão do déficit público (seis a sete vezes maior do que programado para 2020) e da dívida pública (em torno de 90% do PIB), a atual recessão econômica poderia se transformar, ainda no segundo semestre, em profunda depressão.
Esse tipo de política econômica aconteceu com o New Deal do presidente Roosevelt, que utilizava políticas sociais compensatórias e um ambicioso programa de obras públicas para retirar a economia norte-americana das entranhas da crise de 1929. Aconteceu também no Brasil, em 1930, quando houve um endividamento externo para a defesa dos níveis de renda e de emprego na economia cafeeira, ainda que o mercado final do excedente do produto fosse o mar ou o fogo.
Essa política fiscal expansionista e de financiamentos subsidiados poderá persistir por mais um ou dois trimestres se não ocorrer um choque de demanda agregada para reduzir as taxas de desemprego (provavelmente em torno de 15%) e para absorver a capacidade ociosa do sistema produtivo (provavelmente em torno de 30%). Um choque de demanda para revitalizar e dinamizar as cadeias de valor da economia exigirá de novo a coordenação e a intervenção do Estado, à sombra de Keynes.
A nossa sociedade precisa se conscientizar de que o desenvolvimento econômico se processa através de uma sequência de desequilíbrios e que o esforço maior das políticas econômicas é uma busca permanente para estabilizar uma economia instável.