Aos nossos esportistas

Heróis esquecidos em um país que valoriza o vencedor: faltam 97 dias para Tóquio

Não é que não tenhamos história, não é que não sejamos uma potência olímpica. O que nos falta é valorizar os nossos atletas.

Por Josias Pereira
Publicado em 17 de abril de 2021 | 22:35
 
 
 
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O Brasil e seus heróis olímpicos. A valorização que lhes falta. Figuras que realmente refletem o patriotismo, não o ideológico e deturpado. Mas o literal. Não há nada como defender o seu país no estágio mundial. E o apagamento destas figuras ao longo dos anos é quase que tão natural quanto a carreira que constroem. Diferentemente de jogadores de futebol que estão sob o constante holofote, o atleta olímpico, por vezes, é um solitário desbravador, entregue à sua própria sorte. 

Lembremos recentemente de Esquiva Falcão, o primeiro brasileiro a conquistar uma medalha olímpica para o boxe, a prata em Londres, auxiliando sua esposa na venda de minipizzas durante a pandemia. Não há aqui o demérito, pois o trabalho dignifica. Mas nossos atletas merecem muito mais em todas as esferas e até mesmo na nossa própria memória coletiva. 

Em 1948, na Olimpíada de Londres, uma edição marcante pelo pós-guerra e os 12 anos de hiato desde os Jogo de Berlim em 1936, Melânia Luiz se tornou a primeira mulher negra do país a integrar uma delegação olímpica. Uma desbravadora em um período onde o eugenismo e a política de embranquecimento do país se fortalecia com o incentivo governamental. 

Melânia não ganhou uma medalha olímpica. No histórico de conquistas dos Jogos, não há o registro desta brasileira, que formou ao lado de Benedita Oliveira, Elizabeth Clara Muller e Lucila Pini o primeiro quarteto feminino do país no revezamento 4×100 metros livre em Olimpíadas. Mas Melânia, durante toda a sua trajetória nesta terra, sabe bem o que foi e fez questão de ressaltar isso até seus últimos dias, se tornando um dos maiores exemplos de persevernça - ela competiu até 1998 - e dedicação ao esporte nacional. 

O brasileiro aprova o vencedor. A cultura esportiva do país está ligada a conquistas. A fragilidade deste pensamento é o triste gatilho que teima em apagar o nosso rico histórico olímpico. O fato de não sermos uma potência olímpica passa muito pela desvalorização dos personagens que nos forjaram. Para todo Aurélio Miguel, nosso primeiro campeão olímpico no judô, existiu um Chiaki Ishii, bronze nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972.   Para toda Rafaela Silva, nossa medalhista de ouro no judô na Rio 2016, existiu uma Ketleyn Quadros,  medalhista de bronze no judô em Pequim e a primeira mulher a ganhar uma medalha em esportes individuais na história do país. E antes de Ketleyn, uma mulher negra para sempre na história olímpica do país, existiu uma Melânia Luiz. 

Pioneiros que abriram o caminho para que outros pudessem chegar lá. Me recordo certa feita de me dedicar ao acompanhamento dos esportistas brasileiros nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang, na Coreia do Sul, em 2018. Em especial de Edson Bindilatti, o piloto dos dois trenós brasileiros no 2-man e 4-man. Pouco antes da disputa, ele teve sua moto furtada, a companheira para ir aos treinos e também para a execução de serviços diários. Uma vaquinha nas redes sociais foi o que lhe ajudou a superar esta perda material. Uma mobilização popular. 

Edson Bindilatti, talvez um ilustre desconhecido para muitos brasileiros, mas presente pela quarta vez em uma Olimpíada de Inverno. Oriundo do decatlo, Edson fez parte da primeira equipe brasileira de bobsled em Jogos Olímpicos, em 2002. Depois participou também de Turim 2006 e Sochi 2014. 

Não é que não tenhamos história, não é que não sejamos uma potência olímpica. O que nos falta é valorizar os nossos atletas. Eles não podem mais conviver nas sombras e simplesmente surgirem a cada quatro anos, sendo apresentados ao público que logo os esquece assim que uma eliminação precoce os afeta. Nesta jornada a Tóquio, contei aqui a história de Robson Conceição, o primeiro campeão olímpico do Brasil no boxe. Ele foi a duas Olimpíadas, sem medalhas, antes da consagração no Rio. Quantos brasileiros sequer conheciam Robson Conceição antes da sua trajetória estelar no Pavilhão 6 do Riocentro? 

O Brasil é um país de memória curta e o nosso esporte sofre com esse esquecimento e falta de informação. Que valorizemos estes homens e mulheres, os verdadeiros embaixadores do nosso país pelo mundo, não aqueles de terno e gravata, mas aqueles que defendem as cores da nossa bandeira com o suor e dedicação mesmo sabendo que para muitos a história construída por eles jamais será lembrada. 

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