Experiências

Não há nada como uma cerimônia de abertura olímpica: faltam 98 dias para Tóquio

Há cinco anos, o Rio recebia a maior festa do esporte mundial e abria os Jogos de cores, vida e raízes. Pensar em Tóquio e o momento atual entristece

Por Josias Pereira
Publicado em 16 de abril de 2021 | 20:06
 
 
 
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Nos últimos dias tenho me dedicado a me debruçar por lembranças, entrar em contato com atletas e pessoas que marcaram nossa jornada olímpica. E a recente conversa com o locutor esportivo Álvaro José, o nosso 'Senhor Olimpíada', me fez voltar há cinco anos, quando realizei o sonho de estar em uma abertura de Jogos. Um dos grandes ápices de uma Olimpíada é realmente o seu pontapé inicial. 

A expectativa, as apostas sobre o personagem que terá a honra de acender a tocha olímpica, as coreografias, as delegações que desfilarão. O clima no ar é diferente. E caminhar pelos corredores do Maracanã no dia 7 de agosto de 2016 me fez pensar imediatamente em todas as aberturas que vi pela televisão e, de repente, eu estava por lá. 

O Brasil, sem dúvidas, fez uma das mais belas aberturas olímpicas da história recente. Com momentos que para mim foram definitivamente simbólicos, como a passarela aberta a Gisele Bündchen e o desfile ao som de 'Garota de Ipanema'. A diversidade cultural nos gêneros, a celebração de um país em polvorosa com seus problemas sociais tão nossos e, de repente, a hipnose, o deslumbramento. 

Dois anos antes, eu estive no Maracanã para a final da Copa do Mundo do Brasil e voltar ao nosso palco sagrado, naquela circustância, foi especial. Álvaro José guarda com carinho todas as aberturas que fez desde Barcelona, em 1992. E não há nada no mundo capaz de comprar ou mensurar a emoção daquele momento em que os Jogos são oficialmente declarados. 

Para mim, que vivo das palavras, o sentimento é ainda mais tangível, é como se fechasse os olhos e me transportasse para aquele momento, para aquele espaço, onde os olhos de todo o mundo, de repente, se voltaram ao Brasil.

Conviver com a possibilidade de um estádio sem público em Tóquio, com os atletas vivenciando uma festa que sem o povo não é completa, é algo triste. E infelizmente reflete o tempo que vivemos, onde milhares de milhares de vidas se apagaram, levadas pelo novo coronavírus. Mas, em meio a toda dor, a Olimpíada pode ser ainda uma esperança de um novo amanhã. Quando a chama sagrada tocar a pira em Tóquio, a mensagem que o mundo recebe, assim como há cinco anos, no Rio, é de que a humanidade, mesmo em sua imperfeição, nunca deixará de lutar. A resiliência e a resistência, a determinação e a perseverança, são bases não só dos esportes, mas da vida. Que possamos carregar dentro de nós esta chama, não acesa a cada quatro anos e que se apaga para seguir a outra localização, mas acesa dentro de nós e nos fazendo sonhar com dias melhores. Afinal de contas, para mim, este é o verdadeiro significado do espírito olímpico. 

Abaixo, o meu relato da abertura dos Jogos Olímpicos do Rio 2016: 

‘Isto aqui, é um pouquinho de Brasil ia ia, que canta e é feliz, e também um pouco de uma raça que não se entrega não’, a canção cantada por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Anitta, reduzida por este jornalista que vos escreve, é a maior representação da noite desta sexta-feira. Uma noite simplesmente inesquecível para o Rio de Janeiro, para o Brasil e para o mundo.

Nosso país está longe de ser o país mais perfeito do mundo, mas que na simplicidade de seu povo dá mostras mais do que claras que é capaz de encantar mesmo com suas mazelas, desigualdades e diferenças. A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio foi uma pequena mostra destas disparidades que não nos deixam, mas que ao mesmo tempo nos aproximam.

Quando Vanderlei Cordeiro de Lima acendeu a pira olímpica, dando fim a um mistério guardado a sete chaves pelo Comitê Organizador, o Brasil mandou um recado ao mundo de que sempre é possível acreditar mesmo que tudo pareça adverso. Justamente em um período em que ideologias e divergências sejam de credo, raça ou preferência sexual explodem em conflitos, terrorismo e xenofobia, não existem fronteiras. O planeta, ao menos por duas semanas, será um só.  

Quando um país se encontra

Enquanto os fogos estouravam no Maracanã, lá ao longe a favela contemplava a festa buscando entender em qual parte o seu sofrimento encaixava-se na sinfonia de ritmos que foram de Ludmilla a Jorge Ben Jor. Havia ali um certo paradoxo. O Rio recebe o mundo de braços abertos, mas sem esquecer de sua própria e ingrata sorte.

No entanto, neste emaranhado de sentimentos que iam do ódio à paixão extrema, o ufanismo venceu a desconfiança. O público ficou extasiado ao contemplar o 14 Bis de Santos Dumont levantando voo em pleno Maracanã.

Nesta sexta, a Garota de Ipanema, canção executada com primor por Daniel Jobim, neto do eterno Tom, foi Gisele Bündchen, poderosa e 'lacradora', uma tipificação da auto estima nacional que fez o Maracanã balançar no maior e mais simbólico desfile que este país já presenciou. Uma ode à beleza e a força da mulher brasileira, muito superior aos abusos e a objetificação que o machismo engendrou em nossa história.

Porém, qualquer observação ficou pequena, se comparada à entrada do Time Brasil. A longa espera pelos atletas do país, últimos a entrarem no Maracanã, foi recompensada de forma plena.  Um momento para a história. O arrepio foi instantâneo, embalado por um público ensandecido aos gritos de Brasil. As diferenças foram esquecidas e cada um dos brasileiros deixou de lado, pelo menos por um momento, o terrível e conturbado cenário politico e econômico do país e se uniu aos atletas, responsáveis por carregar, cada um à sua maneira, a esperança de que uma nação dividida e entrega às incertezas possa se reencontrar nas próximas semanas.

Sem rancor. A sucessão de nuances da cerimônia de abertura também provam que o brasileiro não guarda mágoa. Bastou a delegação alemã pintar no túnel do Maraca para que o aplauso fosse máximo. 7 a 1? Que nada! Virou amor à primeira vista. E até mesmo os australianos, que tanto falaram da Vila Olímpica, passaram batidos.

Festa latina. E se esta é a primeira Olimpíada na América do Sul, não poderia faltar a festa de nossos vizinhos argentinos, chilenos, colombianos, paraguaios, peruanos e uruguaios, que também se apropriaram da celebração e trouxeram um colorido especial à cerimônia com seus cânticos efusivos.

Queridinhos. O público, que não escondeu sua paixão pelos alemães pós-Copa do Mundo, elencou mais países à sua lista de preferências: chineses, cubanos, franceses, mexicanos, espanhóis e norte-americanos, estes dois últimos conduzidos pelos ídolos Rafael Nadal e ele, Michael Phelps. Com forte presença no Brasil, era de se esperar que italianos, japoneses, assim como nossos colonizadores portugueses, ganhassem a galera. Dito e feito. Porém, houve também espaço para a frieza Islandesa, que contracenava com a vivacidade da delegação do Gabão, um dos tantos países africanos que mais uma vez encantaram o mundo com sua felicidade natural.

Virou xodó. Quando o desfile das delegações se encaminhava para um ritmo maçante, Pita Taufatofua, lutador de taekwondo do Tonga, chamou atenção por seu jeito peculiar de carregar a bandeira de seu país, literalmente com o corpo à mostra e trabalhado no óleo. O público feminino foi ao delírio.

Roubaram a cena. O time olímpico de refugiados foi aplaudido de pé pelo público, totalmente entendedor da causa tão em voga na atualidade.

Temer vaiado. A aparição do presidente interino Michel Temer foi rápida, mas suficiente para suscitar vaias, protestos e gritos de 'Fora, Temer'. A manifestação popular esteve longe das vaias ao ex-presidente Lula nos Jogos Pan-Americanos, porém, mesmo assim, não deixaram de ser ouvidas no Maracanã".

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