RENATA NUNES

Carinho aos mestres

Redação O Tempo


Publicado em 16 de outubro de 2015 | 03:20
 
 
 
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O pai não queria que ele fosse professor. Desejava um futuro melhor para o rapaz e repetia isso, em alto e bom som, na intenção de influenciar o filho a seguir por outro caminho. Uma profissão que, na opinião do homem mais vivido, pudesse deixar a família em melhor situação financeira. Ou, quem sabe, um trabalho que trouxesse simplesmente mais status. Talvez a medicina. Esta, sim, seria a escolha certa para o pai. A mãe acompanhava tudo com mais discrição. Achava lindo o ato de ensinar, percebia com clareza a aptidão do primogênito, embora falasse pouco para não contrariar o marido. No fundo, ela sabia que seria aquela a escolha e ocorreria naturalmente. E a mulher estava certa.

O jovem não quis a carreira acadêmica, embora esteja sempre estudando. Seguiu o seu coração. Está na base, como gosta de dizer. Ensino fundamental. Trabalha com crianças e adolescentes. De fato, admirável em tempos de plurinformação, hiperatividade e alta tecnologia. Difícil brigar com tantos atrativos e com a falta de interesse dos alunos pelo conteúdo. Pela língua portuguesa, então, nem se fala.... Para que escrever a palavra inteira se são da era do “vc”, “blz”, “tbm” e de um tanto de outras siglas cujo significado mal conseguimos entender? Mas o professor briga contra o “sistema imposto”. Acha que pode fazer mais e melhor. Acredita que pode ser a diferença, apesar de pouca estrutura e da falta de grana.

Aos 44, salvo engano, ainda transita entre a rede pública e a escola privada. Gosta de alternar-se entre as duas realidades, tentar reduzir o abismo educacional que instaurou-se neste país. Além disso, precisa dos dois salários para complementar a renda. Recentemente, casou-se com uma também professora, mais jovem e tão idealista quanto ele. No mês passado, teve o carro todo riscado na porta da escola municipal em que leciona. A instituição fica num aglomerado, na região Leste da capital. Acredita ter sido o irmão de um aluno do sétimo ano ligado ao tráfico. Naquele dia, o menino não foi à aula, e o professor o buscou perto de uma boca de fumo. O irmão não gostou. O docente não se intimidou. Não vai desistir do garoto. Vê seus potenciais, irá ajudá-lo.

Na sala de quase 40 adolescentes de classe média-alta, desta vez na região Centro-sul, ele também não desiste de ninguém. Nunca tratou o distraído como apenas preguiçoso. O considerado bagunceiro e tagarela pela maior parte dos colegas é transformado em ajudante, às vezes até forma monitores. Jamais tachou um tímido de invisível. Tenta ver além daquele espaço, busca conhecer as histórias familiares de seus alunos, seus interesses e suas preferências. Isso o ajuda a entender, e, segundo ele, entender as vivências é um passo essencial ao ato de ensinar.

O nome desse professor, e também amigo, é Lúcio. Dá um orgulho imenso saber que existem profissionais assim. Planeja táticas de atenção, encoraja o saber. Ele é só um exemplo de quem não desistiu. Homens e mulheres cheios de coragem que enfrentam um cenário complicado, no qual a educação é desacreditada e repleta de incertezas. Ensinar é, sim, um ato de generosidade. E como são generosos os mestres de verdade, aqueles que imprimem amor ao trabalho. Influenciam, formam e deixam marcas que vão além do passar dos anos. Ensinar é um talento, um ato corajoso que merece o respeito e, com certeza, muito mais atenção. Alguns vão além: encorajam e transformam. Deveriam ser lembrados, todos os dias, com o respeito e o valor que merecem.

Dedico esta coluna à Valéria, à tia Isabel, ao tio Wagner, à tia Hortência, à Flávia, à Chris, ao Matheus, ao Pedro, à Lu, à Pat e a tantos outros mestres representados aqui na figura do Lúcio. 

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