RENATA NUNES

Dores que se repetem

Redação O Tempo


Publicado em 29 de janeiro de 2016 | 03:00
 
 
 
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Por muitas vezes, vi a tristeza esparramada naquele asfalto. Em diferentes anos e em pontos distintos da via, testemunhei consequências da imprudência de motoristas e da apatia do poder público. Não foram poucas as famílias cujo choro acompanhei em coberturas jornalísticas que preferia não ter feito. E por motivos óbvios: eram fatos que gostaria que não tivessem ocorrido. Perdas irreparáveis, histórias interrompidas dificultam o distanciamento profissional ao se noticiar.
O tempo passou, entraram e saíram gestores, divulgaram projetos, anunciaram verbas para obras, instalaram radares, mandaram que os caminhões trafegassem só pela direita, não fiscalizaram ou fiscalizaram mal... Deixei a reportagem nas ruas para ficar dentro da redação... Foram anos, e nada mudou. Continuo espectadora desse emaranhado de entraves que ronda o Anel Rodoviário, via de tragédia e de dor. E a cada acidente, como o da última quarta-feira, quando dois primos morreram, tudo volta à memória, acompanhado de uma desesperança.
 
Anteontem, em especial, a notícia me remeteu ao ano de 2006. Último dia de julho, se não me falha a memória. E, se ela não foi certeira quanto à precisão da data, não falha em relação às imagens. Cenários trágicos são difíceis de esquecer. Carros destruídos, latas amassadas, ferragens e estilhaços de vidros espalhados pela pista. Sem contar as pessoas em choque e as que ainda eram retiradas das ferragens. Duas pessoas morreram e 17 ficaram feridas. Algumas dividiram a angústia daquele momento enquanto eram atendidas ali mesmo, no asfalto. O cheiro forte de cerveja parecia estar impregnado em quem andava por lá. Uma carreta, carregada com a bebida, havia “perdido o freio” e arrastado 22 carros.

Muitas outras perdas de freios viriam depois, ano após ano, para justificar histórias de imprudências de caminhoneiros. Sempre as mesmas frases, como se os condutores fossem um só a falar. O motorista envolvido no acidente de 2006 estava a 100 km/h. Já em janeiro de 2011, outro condutor – que trafegava a uma velocidade ainda maior, 115 km/h – usou a falha mecânica para justificar a tragédia que marcou aquela data. A carreta bitrem, carregada de trigo, desceu a curva do bairro Betânia descontrolada, levando com ela 15 carros e a vida de cinco pessoas.
 
É difícil não se lembrar das vítimas. Fico pensando na menina de 11 anos de Timóteo, cujo corpo vi sendo retirado de um emaranhado de ferros em 2006. Estava no carro com o tio Ronaldo, que também partiu cedo demais, poucos dias depois de completar 40 anos. Soube pelo policial que o carro em que estavam era uma Brasília. Ele só descobriu o modelo pelo numero do chassi.
Quem contou a história triste dessa quarta-feria, dos primos Alexssandro e Fabiano, foi o repórter Bernardo Miranda. Foram justamente as palavras escolhidas por ele que me fizeram voltar no tempo: “Uma carreta desce desgovernada, arrasta outros veículos, e a morte está, outra vez, presente no Anel Rodoviário. A cena é um carma que Belo Horizonte não consegue superar e se repetiu mais uma vez na manhã de ontem”. 
 
Amarrado ao factual, descrito pelo Bernardo, havia lembrança recontada pelo João Renato na página seguinte: os cinco anos do acidente da carreta bitrem. Impossível esquecer sobreviventes como a pequena Laura. Voltava de férias no carro da tia. Hoje, aos 9 anos, vive as consequências daquele dia ruim. Não anda e quase não reage aos estímulos. Os pais, Ricardo e Priscilla, se prendem ao amor e à luta para tornar melhor a qualidade de vida da filha. Alexssandro e Fabiano também deixaram famílias e sonhos. E os que precisam passar pelo Anel? Estes convivem com o medo e a descrença sobre seguir com segurança.

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