RENATA NUNES

Num certo pôr do sol

Redação O Tempo


Publicado em 23 de outubro de 2015 | 04:00
 
 
 
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Ela vivia pelas esquinas em busca de amor. Desejava que fosse generoso. Esperava que viesse grande o suficiente para preencher o buraco que havia em seu peito. Enquanto caminhava lentamente, atenta aos encontros, os desencontros seguiam pelas ruas. Passavam frenéticos, indispostos, apressados. Escolhiam não olhar nos olhos, não tocar a face nem dar as mãos. Algumas vezes, trocavam palavras. Soltas, sem histórias ou sequer contextos. Necessitava de mais. Deveria estar ali o amor, em algum lugar naquele mundo de gente. Quem sabe já se esbarraram em outra ocasião, e ela não percebeu? Quem sabe estava disfarçado e não pôde vê-lo com clareza? Tantas possibilidades, muitas inventadas por ela mesma, faziam com que não desistisse da procura. Um dia após outro. Incessante. Corajosa.

É certo, sentia cansaço. A fadiga atingia o corpo e alma. Mas não podia parar. Era inimiga do tempo. Quase metade da vida havia passado, e ela ainda estava procurando... Não poderia, de jeito algum, perder o frescor da juventude que ainda sobrevivia à chegada da maturidade. Era a hora, tinha certeza. Às vezes, voltava a lugares por onde já havia passado. Como se estivesse caminhando em círculos. Tudo bem, o amor também poderia estar em movimento... Ou talvez estivesse à espreita, esperando que ela volte num dia de céu claro. Quem sabe em noite estrelada.

Quando o sol se punha, muitas vezes, ela se entregava ao desejo. Precisava desprender a energia da caça. O corpo pedia. Viveu paixões tórridas. Encontros inebriantes. Em alguns, implorou para que o amor estivesse ali. A mente queria acreditar. Iludiu-se em diferentes oportunidades. Insistiu. Humilhou-se. Chorou baixinho quando as possibilidades partiram. E, ao amanhacer, viu-se repetidas vezes nua em meio à multidão. Sentiu-se só. A dor não demorava a cessar ou, então, era guardada num canto qualquer. Vestia os trapos e voltava a procurar o amor, com passos largos para tirar a diferença das noites perdidas.

Era munida de fé. Dessas que tornam as buscas possíveis, não necessariamente fáceis. Muitas vezes rezou. Acreditava em algo planejado para ela. Ainda assim, não podia esperar. Andava sem parar guiada por uma ansiedade em sentir-se completa. De casa em casa, de bar em bar. Dentro e fora da cidade. Abatida, mas sem se acovardar. Metades não lhe bastavam. Queria amor inteiro. Nada de contar minutos, preferia marcar o passar do tempo pelos momentos. Sem amor, as horas eram incompletas.

Correu. Vasculhou. Na calçada. Entre os carros. Foi generosa, gentil, amiga. Ajudou os que encontrou pelo caminho. Sorriu. Sem esconder a aflição nos traços marcantes. Também perguntou aqui e acolá. Indagou pela leveza, pelo respeito, pelo companheirismo. Para ela, o amor deveria estar misturado a eles. Andou tanto que chegou a se perder. Exausta, precisou parar para recompor-se. No pôr do sol, viu um campo cheio de flores num parque. Deitou-se lá apenas para admirar a rara beleza natural perdida na selva de pedra.

E, naquele momento, quando afastou-se de suas pretensões, o amor chegou. Simples e despido de ressalvas. Deitou-se ao seu lado bem devagar para não assustá-la num instante tão sublime. Delicado, a beijou lentamente inundando seu corpo com uma paz invisível. Olharam-se nos olhos. Parecia ser real. Só depois vieram as palavras. O amor contou sobre suas andanças, sua procura, seus planos... exaltou a valentia dela e também sua delicadeza. Não prometeu ficar para sempre. Mas lá estaria enquanto houvesse bem-querer, enquanto houvesse esperança.

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