RENATA NUNES

Pela janela do menino

Redação O Tempo


Publicado em 22 de janeiro de 2016 | 03:00
 
 
 
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A janela grande da casa da avó, de parapeito baixo, parece emoldurar a figura do menino. Qualquer um que passe pela rua consegue vê-lo ali. Na maioria das vezes, está de pé. Olhar atento a tudo que acontece do lado de fora do imóvel. Como um segurança, o garoto vigia o tempo. A molecada, dia desses, passou, seguindo para o campinho. O maior do grupo até acenou, chamando para a pelada, mas o menino não foi. Reparou na redonda rolando pelo passeio, nas risadas leves e nos passos descompromissados. Não sentia vontade de brincar. Feito adulto, continuou ali na sua missão de observar o tempo. O coração do menino parece ter sido colorido de cinza, como um dia nublado.

Às vezes, quando a chuva está fininha, ele estende a mão para senti-la. E, quando vem uma pancada forte, daquelas de dar medo, afasta-se. Não chega a fechar totalmente a janela. Só encosta para não molhar muito o chão e continua sua vigília. Atualmente, o menino tem esperado por um raio de sol. Nem precisa ser exatamente um dia lindo de céu azul. Só um fiapo de esperança já bastaria para alegrar seu coração. Tímido raio que seja, mas com força suficiente para clarear a alma de menino, que anda confusa ultimamente.

Mesmo com toda a sua esperteza de criança, ele ainda não consegue entender certas coisas. Na escola pública, no bairro onde morava, a professora explicou: “A água do planeta vai acabar”. O garoto ficou preocupado. Depois, achou ter confirmado os dizeres da “tia do colégio”. Ele costumava brincar perto do rio e viu que a correnteza perigosa, nos últimos tempos, era só um fiapo. Tanto que dava para ver as pedrinhas do fundo.
 
Talvez essa tenha sido uma das primeiras preocupações do menino. Afinal, ele gostava tanto de água... para nadar, beber, tomar banho ou lavar a rua com a mãe. Também adorava correr na chuva. Coisas simples na rotina do rapazinho inocente, morador da periferia da região metropolitana. Chegou a ver os pais e os vizinhos buscando galões que alguém distribuiu em um caminhão.

Parece que isso foi outro dia mesmo, e, agora, a água – que estava faltando na tal de crise – chegou de repente para confundir e assustar o menino. De madrugada, veio do céu e com toda força. Invadiu sua casa inteira. Cobriu a mesinha onde estavam seus desenhos e os lápis coloridos. Fez a bola boiar e ir embora rua afora junto com os cadernos e as roupas que a mãe havia passado no dia anterior. A água marrom, num instante, foi parar acima da cintura do pai. O menino demorou anos para chegar lá. E os risquinhos na parede, que marcavam a altura do menino, logo desapareceram. Ele deixou a casa no colo adulto, chorando por não ter encontrado o cachorro. Aliás, tudo que a família tinha ficou para trás. 
 
Agora, o garoto está na janela da avó. Casa simples, construção bem antiga. De fora, quem passa consegue ver a sala pequena de paredes rosadas e um quadro “esquisito”. Televisão de tubo. O sofá não aparece, mas está lá, assim como a senhora de cabelos grisalhos. O menino vigia o tempo. Sentinela das lembranças. A avó vigia o menino. Guardiã do amor que vai renascer, em breve, no coração do pequeno. A senhora prometeu a ele que uma hora dessas o tempo vai mudar. E mudará, como mudarão os receios. Chegará a coragem, que também não será constante. Virão a alegria e a felicidade, sempre... indo e vindo, como tudo na vida. E tão cedo o menino vai aprendendo sobre sentir. 

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