RICARDO CORRÊA

Ser vidraça é mais difícil

A explicação que os aliados de Bolsonaro espalham por aí é que Queiroz era um agiota, sempre lembrado pelos colegas na hora do aperto


Publicado em 22 de dezembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Jair Bolsonaro ainda nem tomou posse e já descobriu que ser vidraça é mais difícil que ser pedra. O caso envolvendo o motorista de seu filho, o deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), é um bom exemplo. Especialista em atacar, o capitão de artilharia não está se saindo muito bem em função bem defensiva. Por dias, ele e seus familiares minimizaram o episódio, deixou que ele crescesse. Seu ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, fez ainda pior: saiu batendo o pé, nervoso com as perguntas que se amplificaram e hoje se resumem a um sonoro: “Onde está o Queiroz?”.

Para tentar debelar a polêmica, a única coisa que Bolsonaro conseguiu dizer é que os R$ 24 mil que a mulher, Michelle Bolsonaro, recebeu do tal Queiroz era parte do pagamento de um empréstimo que totalizava R$ 40 mil. Mas como explicar que alguém que tenha movimentado R$ 1,2 milhão em um ano e tem dois imóveis em seu nome precisasse de R$ 40 mil emprestado para ser pago em prestações?

O que os aliados de Bolsonaro andam dizendo é que os negócios de Fabrício Queiroz nada têm a ver com suas atividades como assessor de Flávio Bolsonaro. Tentam, assim, afastar as suspeitas de que se tratasse de um esquema que desviava parte dos salários dos funcionários lotados no gabinete do filho do presidente e até mesmo no escritório do pai. Essa suspeita se dá pelo fato de que Queiroz recebia repasses de ao menos oito outros assessores em datas que coincidiam com os pagamentos na Assembleia. Após isso, faria os saques mais ou menos no mesmo valor.

A explicação que os aliados de Bolsonaro espalham por aí é que Queiroz era um agiota, sempre lembrado pelos colegas na hora do aperto. Mas aí voltamos ao empréstimo que Bolsonaro diz ter feito ao motorista. Se era ele quem emprestava caraminguás para os colegas sempre que precisavam, por qual motivo precisaria ele próprio pegar dinheiro com seu velho amigo, o deputado federal, hoje presidente eleito? E se todos no gabinete sabiam que Queiroz era agiota, como o chefe dele ou o amigo de longa data podiam não saber disso também?

Ontem, de novo, Fabrício Queiroz faltou ao depoimento no Ministério Público para explicar o caso. Agora, a promotoria vai convidar para depor o próprio Flávio Bolsonaro – que disse ter ouvido uma história convincente do funcionário, não quis revelá-la ao público, mas agora não poderá negá-la ao MP. Assim, o assunto vai ficando em voga, ultrapassando a fumaça causada por outros casos, como a nova operação contra Aécio Neves e a polêmica da segunda instância, que os bolsonaristas contavam que abafariam o noticiário sobre o caso. Queiroz segue sumido das vistas e presente nas denúncias da imprensa e nos debates das redes sociais, desgastando Bolsonaro e a família, corroendo aos poucos seu principal ativo construído na campanha: o de que era diferente dos demais políticos e intolerante com a corrupção. Bolsonaro pode esperar que os debates sobre o motorista sumido vão dominar muitos debates nas ceias de Natal.

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