ROBERTO ANDRÉS

A tarifa mais alta do mundo

Redação O Tempo


Publicado em 14 de janeiro de 2016 | 04:00
 
 
 
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Em BH, você olha para o lado e a tarifa aumentou. É como gol da Alemanha. Foram três aumentos em 12 meses, que somados encareceram a tarifa em 30%, muito acima da inflação. Mas quem perde de 7 a 1 é a cidade. Os impactos urbanos de uma tarifa tão alta são muito maiores do que se costuma dizer e geram um círculo vicioso que afeta a todos.

É senso comum que a solução para a mobilidade está no investimento em transporte coletivo. A conta é simples: no mesmo espaço de dois carros, um ônibus transporta 20 vezes mais pessoas. Se os ônibus passassem a representar a maioria dos deslocamentos na cidade, sobraria espaço nas ruas. O ar ficaria menos poluído, os acidentes reduziriam e as pessoas passariam menos tempo no trânsito.

FOTO: Ipea/Reprodução
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De 2000 a 2012, a tarifa de ônibus em BH cresceu muito acima da inflação. Fonte: IPEA

Mas o transporte coletivo só fica atrativo com a combinação de três elementos: alta qualidade, oferta abundante e tarifa baixa. Para fazer essa mágica, é preciso gestão pública transparente e ética, e também subsídio da tarifa. Todas as cidades no mundo em que admiramos o sistema de transporte subsidiam as tarifas, muitas em mais de 50%.

Mesmo sem subsídios, Belo Horizonte já teve uma das tarifas de ônibus mais baixas do Brasil, na década de 1990. De lá para cá, ela subiu muito acima da inflação. No mesmo período, a taxa de uso do transporte coletivo caiu pela metade e enquanto o tempo médio das viagens aumentou 60%, segundo dados da BHTrans.

FOTO: BHTRANS/Divulgação
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De 2002 a 2012, ocorreu alta debandada do transporte coletivo, que passou de 40% para 21% dos deslocamentos em BH. Fonte: BHTRANS

Esses são dados alarmantes, na contramão do que a cidade precisa e do que a prefeitura propagandeia. O presidente da BHTrans afirma ter como referência Barcelona, em que 70% das viagens são feitas em transporte coletivo. Mas em BH, essa taxa caiu de 40%, em 2002, para 21% em 2012. E certamente continua em queda livre, com os aumentos da passagem nos últimos anos.

Ninguém vai andar de ônibus pelas belas palavras do presidente da BHTrans. As pessoas vão escolher a partir do preço e da qualidade do serviço. Quanto maior a tarifa e o tempo das viagens, menor será o uso do transporte coletivo. Belo Horizonte tem hoje uma das tarifas mais altas do mundo entre cidades de porte semelhante, em relação ao salário médio – trabalha-se em média 20 minutos para pagar uma passagem, contra 6 em Madri e 2 em Buenos Aires, segundo estudo feito pelos economistas da Fundação Getúlio Vargas Samy Dana e Leonardo Lima.

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De 2002 a 2012, o tempo médio de deslocamento no transporte coletivo em BH passou de 36 para 59 minutos.

Segundo o prefeito Márcio Lacerda, os ônibus ficam lotados porque as pessoas não esperam o próximo. Claro que essa é uma fala de quem não pega ônibus as 6 da tarde, depois de um dia de trabalho, e sabe que há grandes chances que o próximo ônibus também passe lotado. Não, senhor prefeito, os ônibus ficam lotados porque a BHTrans vem sistematicamente reduzindo a oferta – o que aumenta as esperas nos pontos e o lucro das empresas.

Uma prefeitura séria trabalharia para reduzir ao máximo a tarifa e ampliar a oferta, para o sistema ficar atrativo. Infelizmente, nos vários aumentos dos últimos anos, repletos de irregularidades, a gestão atual se posicionou como um departamento das empresas de ônibus. Uma auditoria cidadã no trabalho contratado pela prefeitura em 2014 mostrou que a caixa preta está cheia de furos. Há indícios de superfaturamento em compras de veículos e de insumos, além de cálculos contraintuitivos – o Move deveria reduzir os custos do transporte, no entanto o sistema é usado para justificar aumentos.

Mais uma vez, o Ministério Público e a Defensoria entraram com ações contra o último aumento, que deve ser barrado, pois se baseia no aumento anterior que também foi irregular. A população está nas ruas. Da justiça, espera-se que dessa vez atenda ao interesse coletivo. Já da prefeitura, pelo histórico recente, difícil esperar algo. A não ser que continue firme em sua busca obstinada pela tarifa mais alta do mundo. Se é que já não chegou lá.

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