ROBERTO ANDRÉS

Mais armas?

Redação O Tempo


Publicado em 06 de setembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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A cada dez minutos, uma pessoa é assassinada no Brasil. Nosso país tem menos de 3% da população mundial e mais de 10% dos homicídios. Assim chegamos a mais de 64 mil pessoas assassinadas em 2017 e os números não param de subir. 

Alguns candidatos às eleições desse ano querem fazer crer que a solução estaria em aumentar o armamento da população. Essa turma sempre existiu, mas nos últimos anos tem ganhado força com a crise política, econômica e de segurança pública que o país vive. 

A tese colocada é que, se os “cidadãos de bem” tiverem armas para se defender, os “bandidos” vão pensar duas vezes antes de atacar. A proposta pode encantar quem está desiludido com a política e cansado da violência, mas uma olhada rápida em estudos sobre segurança pública mostra que ela é um tiro no pé – e na cabeça. 

Você pode ser de esquerda ou de direita, mas os dados levarão à mesma conclusão. O economista Thomas Conti, professor da Unicamp, próximo ao campo liberal, traduziu o resumo de 48 pesquisas acadêmicas sobre armas de fogo, publicadas nos últimos 5 anos: 90% das revisões bibliográficas demonstram que mais armas em circulação aumentam os crimes. 

Nas palavras de Conti, “o melhor estudo internacional, mais metodologicamente rigoroso, que temos até o momento é 100% contrário à tese Mais Armas, Menos Crimes.” Um estudo feito no Brasil, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA, estima que o aumento em 1% nas armas do fogo eleva em até 2% as taxas de homicídio. 

Mas nos Estados Unidos as armas circulam livremente e há menos homicídios do que no Brasil, costumam dizer os defensores do armamento. A comparação é indevida, porque não leva em conta a enorme diferença de renda e social dos dois países. Isso quem diz não sou eu, mas David Hemenway, diretor de um dos mais respeitados centros de estudos de criminalidade dos Estados Unidos, da universidade de Harvard. 

Compare os Estados Unidos com outros países ricos e você verá que a taxa de mortes americana é 25 vezes maior que a média. Em um ranking mundial de homicídios por habitante, os Estados Unidos são o único país rico com muitas mortes, justamente porque tem armas liberadas. 

Conforme aponta o jornalista André Forastieri, os países que têm baixas taxas de homicídio são muito diferentes: “Uns são pequenos, outros têm mais de um bilhão de habitantes. Uns pobres, outros ricos, outros mais ou menos. Em alguns, a desigualdade grassa, outros têm a renda muito bem distribuída. Variam etnicamente, religiosamente, historicamente.”

A única coisa que têm em comum os países com baixas taxas de crimes e homicídios é que todos têm leis muito restritivas sobre armas de fogo. Proíbem armas, dificultam a compra, têm punições severas para quem for pego portando armas ilegalmente. 

A ideia de que armas protegem de assaltos é contestada em muitos estudos. Ainda segundo o mesmo estudo do IPEA, “o uso defensivo da arma de fogo para conter crimes contra a propriedade é na verdade uma lenda que não reflete a realidade”. Ainda assim, como bem lembra Ilona Szabó, “a lei de controle de armas de 2003 já garante a posse de armas para qualquer cidadão que cumpra os requisitos nela estabelecidos.”

A ideia de “cidadãos de bem” se defendendo de “bandidos” não vence a prova dos números. Apenas 5% das mortes por armas de fogo no Brasil são resultado de assaltos: 2.314 no ano de 2015. Já a polícia matou, oficialmente, 3.320 pessoas no mesmo ano. A polícia mata mais do que os ladrões. 

Um estudo do Conselho Nacional do Ministério Público, feito entre 2011 e 2012, demonstrou que mais da metade dos homicídios no país são feitos a “sangue quente”. No estado de São Paulo, mais de 80% dos homicídios foram resultado de “motivos fúteis”. A maioria destas mortes seria evitada se não houvessem armas à mão. 

Vivemos em um país desigual e violento, entregamos para traficantes o controle da venda de entorpecentes de alta demanda, fortalecendo o crime. Assistimos nossos jovens, grande parte deles negros, morrerem diariamente nessa espiral regressiva. Jogar mais armas nessa realidade é como jogar gasolina no incêndio.

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