ROBERTO ANDRÉS

O superxerife

O Brasil elegeu um presidente que apresentou poucas propostas em sua campanha


Publicado em 09 de novembro de 2018 | 04:00
 
 
 
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O Brasil elegeu um presidente que apresentou poucas propostas em sua campanha. Sua principal bandeira – “acabar com tudo isso que está aí” – colou, sem que fosse dito o que seria colocado no lugar. Nem de que maneira.

De todo modo, as pautas da segurança pública e do combate à corrupção estiveram no centro dos discursos de Jair Bolsonaro. E agora essa agenda será entregue em um superministério ao juiz Sergio Moro, que ficou conhecido pela atuação na operação Lava Jato.

Para muita gente, a nomeação de Moro pegou bem. E talvez blinde o novo presidente das críticas sobre a presença de políticos com problemas com a Justiça em seu governo, como Magno Malta e Onyx Lorenzoni.

A imagem de Moro, para boa parte da população, é a de um homem íntegro e rigoroso no combate à corrupção. A partir de agora, essa imagem será colocada à prova. Ele passará a ser mais investigado pela imprensa e responderá como político pelos resultados do governo.

Já a imprensa internacional noticiou com espanto a nomeação, pela evidência de que Moro foi o juiz mais atuante no processo que impediu que o adversário do presidente que o nomeia pudesse disputar a eleição. Além do mais, o juiz de Curitiba certamente teve acesso a informações privilegiadas sobre dezenas ou centenas de políticos, que agora serão seus opositores ou companheiros de governo.

Essas questões precisam ser debatidas. As decisões da Lava Jato tendem a ser cada vez mais lidas pelo viés político. E parece evidente que deveria haver uma quarentena para juízes ingressarem em governos. De todo jeito, a questão que interessa à maioria é: com Moro à frente desse superministério, o Brasil vai conseguir reduzir a corrupção nos governos e a violência nas ruas?

Eu acharia ótimo que sim, mas as experiências internacionais não apontam para isso. Não se combate corrupção com voluntarismo, mas com fortalecimento dos órgãos de controle e investigação – além de redução de desigualdade e melhorias sociais.

Nesse sentido, se o novo governo submeter o Ministério Público ao Ministério da Justiça e extinguir ou enfraquecer a Controladoria Geral da União, como está sendo dito, andaremos para trás. Sem instituições fortes e independentes, de nada adianta ter xerifes no governo. A corrupção pode sumir do noticiário se os órgãos se tornarem inoperantes, mas continuará existindo.

É isso que aconteceu na Itália depois da operação Mãos Limpas. O governo de Silvio Berlusconi foi enfraquecendo os mecanismos de controle e investigação e, dalí a pouco a Itália estancou a sangria.

Aliás, com todas as críticas que se possa fazer aos governos do Partido dos Trabalhadores, é preciso lembrar que foi no início do governo Lula, com Márcio Thomaz Bastos à frente do Ministério da Justiça, que se iniciou o fortalecimento da Polícia Federal, com aumento do corpo efetivo, do número de delegados e dos salários. Esse processo gerou a capacidade de atuação que investigou, denunciou e prendeu membros do governo. O mesmo ocorre com o Ministério Público, que nos últimos anos atuou com autonomia inédita para o órgão – há duas décadas, o comandante do órgão tinha o apelido de “Engavetador Geral da República”.

Sergio Moro enfrentará também a complexa agenda da segurança pública e do combate ao crime organizado. O novo ministro já mencionou sua admiração pelas histórias de combate a máfias na Itália ou nos Estados Unidos. Mas quem olha para essas narrativas por uma perspectiva mais ampla sabe que, quando uma máfia é desmontada aqui, outra cresce acolá. Via de regra, enquanto houver demanda (drogas ilícitas), haverá quem opere o crime organizado.

Se quiser mesmo enfraquecer o crime, o governo precisa olhar para as experiências bem-sucedidas em tantos países de descriminalização das drogas – o que causaria um pânico moral na turma obscurantista ligada ao novo presidente.

Não se combate a corrupção com xerifes ou o crime com punições severas. Isso é enxugar gelo. Sergio Moro vai ser capaz de implementar uma agenda de segurança pública baseada em boas práticas internacionais e ações anticorrupção baseadas na independência e autonomia dos órgãos de controle e fiscalização? Essas questões de fato interessam e não foram sequer arranhadas.

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