ROBERTO ANDRÉS

Ruas indignadas, cidades esquecidas

Redação O Tempo


Publicado em 17 de março de 2016 | 04:30
 
 
 
normal

O país ferve, patina e escorrega. A polarização extrema, o oportunismo da oposição e a conivência com a corrupção pelo PT entregaram a indignação das ruas para figuras grotescas como um Bolsonaro. É preciso ser contra a corrupção, de todos os partidos, mas a solução para os problemas do país não virá do desmonte da educação e da saúde públicas, como quer a turma que ocupa os palanques.

Uns citam Marx e Hegel, outros Nietzche, eu cito Karoline, que mora na periferia de São Paulo e não foi nos protestos: "Se eu fosse a uma manifestação, seria por melhor transporte e saúde pública. Você acorda cedo para trabalhar e sustentar sua família, pega o metrô lotado e demora para chegar no trabalho. Aí você fica doente e tem que enfrentar fila no SUS".

Karoline sabe o que diz. Muito do que torna a vida difícil tem a ver com políticas urbanas, que o Governo Federal abandonou ao oferecer o Ministério das Cidades para o PP, há uma década, e que pouco evoluíram no país. A exceção é São Paulo que, com limites, realizou avanços como priorizar ciclovias e corredores de ônibus – graças a um prefeito do PT, o que mostra como a política nunca é binária, mas sempre contraditória.

Em Belo Horizonte, a situação urbana merece protestos maiores que os de domingo. A cidade está na contramão. Claro que há algumas iniciativas meritórias, pois a prefeitura é grande e tem funcionários comprometidos. Mas, na maioria das políticas relevantes, a atual gestão é um desastre. Os números mostram.

No Barreiro, moradores demandam há anos um hospital, tendo de atravessar a cidade para fazer certos exames. Prometido para março de 2011, o Hospital do Barreiro foi “inaugurado” pelo prefeito Márcio Lacerda em dezembro de 2015. Inaugurado com muitas aspas, pois apenas 10% dos leitos estavam prontos, embora o orçamento tenha dobrado.

A enorme distância entre metas e resultados é uma constante. No caso das ciclovias, o que se viu foram resultados pífios e mudança de meta a cada ano, como mostra a nota da associação BH em Ciclo. Em 2016 BH ainda tem 70 quilômetros de ciclovias, embora a meta anunciada pelo prefeito fosse de 200.

Das mais de 30.000 casas populares prometidas, apenas 4.199 ficaram prontas, segundo a Urbel. Lideranças de direitos humanos apontam que mais de 14.000 famílias tiveram suas casas demolidas para dar lugar a viadutos e alargamento de vias. A alternativa de milhares foi ir para ocupações, que a prefeitura e o estado insistem em deslegitimar e não dialogar.

Os viadutos que tomaram o espaço de casas não melhoraram o trânsito. Tornaram um ou outro trajeto de carro mais rápido, mas seus efeitos são pontuais e de curto prazo. E tornaram a vida pedestre um suplício. A velocidade média do trânsito em BH cai a cada ano, ainda mais para o transporte coletivo. Um viaduto caiu e não faz nenhuma falta.

A tarifa de ônibus aumentou três vezes em um ano, muito acima da inflação e sem justificativa. Os principais índices de qualidade do transporte público despencam. Não sou eu quem diz, é a BHTRANS. Os ônibus passam menos e se deslocam mais devagar. O resultado é, mais uma vez, o contrário da meta: debandada do transporte coletivo, embora centenas de milhões de reais tenham sido investidos no MOVE e em viadutos anacrônicos.

A lista não tem fim: cobertura de rios, nepotismo, corte de milhares de árvores, privatização de parques e até de cemitérios. Também no âmbito Estadual, com, por exemplo, a falta de saneamento que gera doenças e mortes. Eis aí problemas graves, urgentes, que afetam a todos.

As manifestações de 2013, de modo anárquico, expunham essa pluralidade de pautas e apontavam para os problemas reais do país. Os governos preferiram reprimir e expulsaram a diversidade das ruas. Os protestos de hoje parecem ter uma nota só: a corrupção do outro e o temor à ameaça comunista inexistente.

Voltar a disputar as narrativas é urgente. Precisamos combater a corrupção, o descaso com o Hospital do Barreiro e a máfia dos transportes. Precisamos de ciclovias, moradias, tratamento de esgoto, rios limpos, tarifa baixa, parques e praças. A solução para a polarização alucinada e para a grave crise só pode vir, a meu ver, pela retomada das cidades como lugar essencial da política. 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!