SANDRA STARLING

A longa e sinuosa estrada

Uma Constituinte vai muito além do horizonte das eleições de 2018


Publicado em 24 de maio de 2017 | 03:00
 
 
 
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O que ocorreu no dia 28 de abril não chegou a ser uma massiva manifestação dos brasileiros que trabalham ou empreendem com enormes dificuldades. Ou dos milhões de desempregados. De fato, houve paralisações em diversos setores da economia, mas não se pode atribuir isso a um genuíno gesto organizado e consciente de quem teria optado por cruzar os braços em sinal de inconformismo com a política em curso no país.

Agora, a delação da JBS – mesmo levando-se em conta a necessidade de maiores esclarecimentos – exige claro posicionamento, pois escancarou-se o verdadeiro condomínio de falcatruas com que partidos políticos, os mais diversos, usam o dinheiro dos contribuintes em proveito próprio e em detrimento das inúmeras necessidades sociais. Que democracia pode ser essa na qual os agentes públicos são comprados como num verdadeiro mercado persa ou onde se fala em dar “alpiste para passarinho engaiolado”?! (Aliás, quem quiser saber a história da JBS, leia matéria na revista “Piauí” de fevereiro de 2015).

Na verdade, no dia 28, estivemos diante de um articulado estrangulamento da oferta de serviços de transporte público, mas só isso não tem o condão de colocar um regime político em xeque.

Pergunto-me, com o poeta Carlos Drummond de Andrade: “posso, sem armas, revoltar-me?” Como manifestar meu inconformismo radical contra esse escárnio generalizado? Miro-me no exemplo dos romenos que, em 1989, reagiram às provocações das tropas do ditador Ceaucescu. Recordo os boicotes conduzidos por Gandhi contra o consumo de produtos da metrópole britânica como tática em sua luta pela independência da Índia. E extraio disso tudo uma certeza: só o povo nas ruas transforma seu destino. E cada um faz como pode. Eu já não consigo andar longas distâncias e não suportaria o gás lacrimogêneo ou o spray de pimenta. Vou passar a boicotar o consumo de bens produzidos, por exemplo, pela JBS.

Penso também na greve de massas de Rosa Luxemburgo: “uma poderosa luta econômica” que una operários, estudantes, donas de casa, profissionais liberais, comerciários, engenheiros, artistas, empregados domésticos, até atingir, inclusive, os agentes da polícia, estendendo-se simultaneamente ao MST, ao MTST e a quantos mais quiserem vir. Trocando em miúdos, para acabar com o “mar de lama”, precisamos de uma paralisação geral que consiga fazer com que centenas de milhares parem e se juntem nos quatro cantos deste país para, a partir do “Fora, Temer” e do “Fora, Todos”, inaugurar um novo período constituinte.

Creio que, para passar o país a limpo, não bastam eleições diretas para presidente da República, com as regras existentes. Seria o mesmo que trocar seis por meia dúzia.

O desafio que está posto é o de construir uma grande e solidária coalizão, de todos os que, em resumo, desejam o império da liberdade, da democracia, da ética e da dignidade humana, em prol de um mundo melhor. E isso vai muito além do horizonte das eleições em 2018.

Como diriam os Beatles, a estrada poderá ser “longa e sinuosa”, mas precisaremos percorrê-la. E desde já.

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