SANDRA STARLING

Ainda vamos ressurgir das ruínas

Estão lá a nos lembrar, a despeito de toda estupidez, que podemos


Publicado em 31 de outubro de 2018 | 03:00
 
 
 
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O artigo de Marcos Lima, em O TEMPO do último sábado, inspirou-me a escrever estas linhas. Esperava que as cinzas se decantassem para falar sobre a destruição do Museu Nacional. Tenho comigo, ainda, as lágrimas de meu marido, que, a meu lado, assistindo pela TV ao fogo tudo lamber, só falava do arrebatamento que o dominara quando visitou o palácio imperial da Quinta da Boa Vista, pela primeira vez, aos 5 anos.

Sim, os governos, há décadas, são responsáveis pela tragédia. Mais culpados, no entanto, somos nós, que nos omitimos, que toleramos a eterna irresponsabilidade governamental e que convivemos com sonegações (ou evasões) fiscais ou tributações regressivas, causas remotas da famosa “falta de verbas para o que não é prioritário”. E, ademais, como cidadãos e cidadãs, recusamo-nos a prestar colaboração ativa, pessoal, à preservação da nossa cultura e ao incentivo à ciência.

Tive um irmão que morou em Boston por mais de 30 anos, até falecer. Tenho filha e netos que lá vivem. É incrível o carinho que sempre devotaram a vários museus do Estado de Massachusetts. Sempre contribuíram financeiramente para a manutenção das instituições, que, diga-se, funcionam com recursos públicos e privados. Mesmo que haja dotações orçamentárias razoáveis, a doação pessoal torna o doador mais que colaborador. Torna-o um entusiasmado militante da preservação da cultura, daquilo que, como dizia um revolucionário ucraniano – por favor, amável leitora, não me mande catar coquinho por lá: faz muito frio! −, serve para amainar nossas angústias existenciais. Meus familiares sempre prestigiaram eventos e exposições especiais das entidades que apoiam. Quem quer que visite joias como o Museu de Belas Artes, em Boston, ou o Museu de Ciências, na vizinha Cambridge, se impressiona com o número de voluntários, de todas as idades, que auxiliam no regular funcionamento daqueles templos culturais.

O conceituado antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, cuja pessoa se confunde com o próprio Museu Nacional, acha que deveríamos deixar aquela ruína como “memória dos mortos, das coisas mortas, dos povos mortos, dos arquivos mortos, destruídos nesse incêndio”. Penso diferente. Quero vê-lo, como fênix, renascer das cinzas. Visitei a Ilha dos Museus, em Berlim, há alguns anos. Por ironia, movia-me o interesse de ver a primeira exposição sobre o nazismo, na Alemanha, desde o fim da Segunda Guerra Mundial. São cinco esplêndidos museus, considerados, em conjunto, Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Haviam sido totalmente destruídos na queda de Berlim, em 1945. Situados no lado oriental da cidade, foram reerguidos, com absoluta prioridade, apesar da escassez de recursos, ao tempo da antiga República Democrática Alemã. Depois da reunificação, ainda mais esforços, públicos e privados, foram dedicados a sua recuperação e manutenção. Hoje, estão lá, firmes, radiantes, a nos lembrar, sempre, que, a despeito de toda estupidez, podemos nos soerguer, ainda que imbecis de toda ordem, boçais de todas as extrações, assumam o poder. 

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