SANDRA STARLING

Chile e Brasil: Bachelet e Dilma Rousseff

Por que mulheres antes amadas passam por esses momentos?


Publicado em 22 de abril de 2015 | 03:00
 
 
 
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Sou obrigada a voltar meus olhos para o passado. Revejo 1964 e seu cortejo de atrocidades, desmandos, corrupção. Também sou forçada a me lembrar da noite em que cheguei da Faculdade de Direito da UFMG e recebi a terrível notícia da derrubada de Allende. Acompanhei apavorada os acontecimentos do Estadio Nacional em Santiago, para onde eram levados todos os que apoiavam o regime deposto. Não sem razão, o estádio hoje se chama Estadio Nacional Victor Jara, em homenagem ao artista, grande e inesquecível cantor, cuja língua e dedos foram decepados num gesto tresloucado daqueles que se supunham senhores do país. O pai de Michelle Bachelet também foi perseguido. Aqui, pouco antes, uma jovem passou por torturas e foi parar na prisão e ela se chama Dilma Rousseff.

Um arrepio me percorre todo o corpo.

Não quero mais viver tempos tão sombrios e nem quero que nenhum povo passe pelo que passaram nossos povos.

Sou levada a essas recordações porque os jornais de domingo trouxeram notícias de que as duas, reeleitas presidentes de seus países, vivem agora situações semelhantes, com integrantes de seus governos acusados de atos de corrupção, processados, enquanto nas ruas as populações que as elegeram rejeitam seus governos. O que haveria de igual nos dois casos? Por que mulheres antes amadas passam por momentos graves como esses? O que as aproxima, além do passado tão semelhante?

Pouco sei do que se passa no Chile, mas sei que o governo que sucedeu ao de Bachelet não logrou também realizar os desejos que o fizeram presidente. Piñeda foi um retumbante fracasso. Aqui, como não houve, mercê de um instituto que abomino – a reeleição –, os brasileiros não puderam experimentar outro modelo. Tenho medo, porém, dos aventureiros – até monarquistas e integralistas – que se misturam em manifestações e pedem ora a intervenção militar, ora a renúncia pura e simples da presidente.

Sou assumidamente uma opositora tanto do método que a levou a ser escolhida, pela primeira vez, em 2010, quanto da concepção de melhoria da vida do nosso povo levada a cabo em seu primeiro mandato. Gostaria de ter visto os brasileiros que tanto lutam tendo hoje uma qualidade melhor de vida, com acesso à educação, saúde, saneamento básico, transporte coletivo. Direito a andar a pé pelas cidades, grandes ou pequenas, respirando o ar puro que sobra quando carros e motos não entopem todas as ruas. Com direito à manutenção de contratos razoáveis de trabalho, com remuneração capaz de lhes dar lazer, prazer, comida e bebida, alegria de viver em paz.

Não foi esse o objetivo da política praticada por Rousseff. Aqui, o consumo individual e o sonho de “ser igual aos ricos” atrofiou a vontade e a consciência de todos. Em lugar de cidadãos, um monte de consumidores ávidos e sedentos de ter mais e mais.

Não quero isso. Mas também não quero que ela seja derrubada à força. Não tolero mais ditadores de nenhuma espécie. Chega!

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