SANDRA STARLING

Continuando pela longa e sinuosa estrada

Redação O Tempo


Publicado em 14 de junho de 2017 | 03:00
 
 
 
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Quando minha geração se dá conta das falhas que cometeu, esquece que construir uma estrada para a utopia não acontece de uma só vez. A gente se atira, a gente sofre, a gente vai e volta numa espiral de tirar o fôlego. Foi assim quando, bem e mal, deixamos para trás os limites da ditadura civil-militar de 1964. E assim será para sairmos do buraco onde nos metemos nos últimos anos.

Essa certeza me acometeu lendo duas reportagens deste O TEMPO no domingo retrasado (4): em Cidades, o jornal se dedicou a comparar situações quase opostas, uma no bairro da Serra e outra na região da barragem Santa Lúcia. No primeiro relato, uma professora aposentada vê da janela de seu apartamento o lugar onde mora a faxineira de seu prédio. A professora tem 73 anos, e a faxineira, 62. Aquela reúne-se com as amigas toda terça-feira à tarde, no salão da Paróquia São João Evangelista, para preparar artesanatos para o bazar da igreja. A outra, que bem poderia fazer companhia às primeiras, dedica-se à dura tarefa de limpar o prédio onde a professora mora. Com certeza, sem nenhum descanso nem hora para curtir as amigas.

A segunda história compara duas moças, uma de 22 anos, estudante de relações públicas da PUC, fluente em inglês, com várias viagens ao exterior. A outra, de 25 anos, parou de estudar no primeiro ano do ensino médio porque tinha de trabalhar. Mora no aglomerado Santa Lúcia com seus quatro filhos, fruto de dois casamentos, o primeiro marcado pela tragédia da morte prematura do companheiro, o segundo, destroçado pela violência conjugal. A menina de classe média tem seu carro e vive com uma mesada do pai; a outra procura qualquer emprego que lhe dê condições de sobrevivência com sua filharada.

A leitura das matérias me atirou de volta a minha própria história, quando, professora de sociologia no “Básico” da Fafich, da UFMG, usávamos a primeira semana do curso para organizar grupos de alunos e distribuí-los por Belo Horizonte, orientados por questionários que levassem cada grupo a perceber como era a vida dos ricos, da classe média e dos pobres da cidade. No final, cada grupo fazia o relatório do que vira e em seminário tentava explicar as razões das diferenças encontradas. Só então começávamos a distribuir textos de diferentes autores sobre a desigualdade social.

Toda uma geração de estudantes levou ali seu primeiro choque de realidade. Não por acaso, alguns passaram a militar no movimento estudantil e foram, anos mais tarde, meus companheiros na fundação do Partido dos Trabalhadores. “Coxinhas” daquele tempo atolaram os pés na poeira das estradas e criaram os “mortadelas” de hoje, que se engalfinham nas manifestações contra e a favor da Lava Jato.

O PT não nasceu de nenhum milagre. Pena que com o andar da carruagem, levados pela ingenuidade de muitos e a má-fé de outros, tenhamos agora o país em frangalhos, catando o que resta de esperança para seguirmos em frente.

A estrada é longa e sinuosa, mas a gente tem de prosseguir nela.

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