SANDRA STARLING

O “shutdown” nos EUA e o “plano B” de Paulo Guedes

A alternativa, caso fracasse a tentativa de reformar a Previdência


Publicado em 16 de janeiro de 2019 | 03:00
 
 
 
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O que o “shutdown” do governo norte-americano tem a ver com o tal do “plano B” de Paulo Guedes, anunciado como alternativa, caso fracasse a tentativa de reformar a Previdência? Aparentemente, tudo a ver. Guedes chegou mesmo a dizer que a desvinculação total de receitas orçamentárias significaria a consagração, tal como ocorre nos EUA, da autonomia do Congresso para dispor sobre as despesas da União, sem as amarras previamente estabelecidas na Constituição.

Quem muito alardeou essa proposta nos anos 90 do século passado foi o senador José Serra, que, curiosamente, coordenou, na Assembleia Nacional Constituinte, os trabalhos da parte do texto constitucional relativa à tributação e ao orçamento. Há dois aspectos cruciais no processo orçamentário norte-americano que mereceriam indagações para sabermos se é “vero” o propósito de conferir ampla autoridade aos congressistas em matéria orçamentária: a dimensão da prerrogativa do Executivo para contingenciar verbas autorizadas pelos parlamentares e a legitimidade do Congresso para dispor sobre numerários destinados a dotações para pessoal e seus encargos e, principalmente, sobre serviço da dívida pública.

Vale lembrar que, nos EUA, o então presidente Richard Nixon, antes do episódio Watergate, chegou a ser ameaçado de impeachment por desobediência a disposições do “Impoundment Control Act of 1974”, que estabeleciam ser dever do presidente submeter imediatamente ao Congresso seus atos de contingenciamento, em fundos específicos, para que a Câmara dos Representantes e o Senado os aprovassem ou não no prazo de 45 dias. É o que se costuma chamar de Orçamento impositivo. Quanto à liberdade congressual para dispor sobre pessoal e seus encargos, é preocupante o fato de ter aumentado o número de representantes de corporações de servidores públicos, especialmente os ligados à segurança pública, na próxima legislatura. Sinceramente: exercida sem salvaguardas, essa prerrogativa poderia se transformar em uma esbórnia.

Finalmente, resta saber se seria revogada a “regra de bronze”, constante da alínea b do inciso II, do § 3° do art. 166 da Constituição, segundo a qual os membros do Congresso Nacional estão proibidos de anular despesas destinadas ao serviço da dívida pública. É aí que o bicho pega. É bom recordar que, nos EUA, essa prerrogativa parlamentar é irrestrita, e o “shutdown” que ocorreu no governo Obama foi provocado pelo Tea Party, que queria, exatamente, impedir a rolagem da dívida pública pelos democratas.

Não deveríamos nos esquecer que existem fortes e consistentes questionamentos sobre a regularidade da introdução desse dispositivo durante o processo constituinte. Quem entre nós mais estudou o assunto foi o diplomata, economista e consultor legislativo da Câmara dos Deputados Adriano Benayon, falecido há poucos anos. Seus trabalhos merecem a reflexão de todos nós. De minha parte, entendo que, se essa discussão não for precedida de um profundo debate sobre nosso sistema político-partidário, estaremos fadados, nessa matéria, a dar com os burros n’água.

 

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