SANDRA STARLING

Se o retrato de Lula fosse para a urna eletrônica

Ele transformou o PT naquilo que acusava Brizola ter feito com o PDT


Publicado em 05 de setembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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O PT sabia que o registro da candidatura de Lula seria negado pelo TSE. A estratégia petista talvez apenas consistisse em estender ao máximo o processo para Lula aparecer na TV e, como na marchinha, para “botar o retrato do velho outra vez, botar no mesmo lugar”. No caso, na urna eletrônica. Votando o eleitor em Fernando Haddad, na hora H, quem apareceria na telinha seria Luiz Inácio Lula da Silva. Em caso de uma vitória, a dúvida: quem teria sido eleito? Haddad? Lula? Se o primeiro, qual legitimidade política teria para conduzir o país num período de tantas dificuldades e incertezas? Se o segundo, como faria para tomar posse do cargo e governar, estando preso em Curitiba? A confusão estaria formada.

Trata-se de situação típica de sociedades em que prevalece a legitimação carismática. Não costuma dar carreira certa. Lembrei-me, ao conjecturar sobre esse expediente petista, do que se passou na Argentina nos idos de 1973. A ditadura do general Alejandro Lanusse caía de podre, mas ainda resistia. Pactuou-se uma transição com os partidos políticos tradicionais. Haveria eleições presidenciais, e o Partido Justicialista, peronista, poderia lançar candidato, mas seu líder, Juan Domingo Perón, exilado na Espanha, não poderia ser admitido como tal.

Os peronistas lançaram, então, como postulante à Casa Rosada, o dentista Héctor Cámpora. Eleito, Cámpora governou apenas tempo bastante para conceder anistia a Perón e convocar novas eleições. Seu mandato presidencial durou cerca de um mês e 18 dias! Tendo seu companheiro de chapa, Vicente Solano, também renunciado, o presidente da Câmara dos Deputados, Raul Lastiri, igualmente, não esquentou a cadeira presidencial. Em outubro de 1973 passava a faixa ao provecto, porém recauchutado (depois de uma temporada na clínica da famosa doutora Anna Aslan, na Romênia), líder justicialista, sufragado, em um pleito extraordinário, com mais de 60% dos votos. Vale recordar alguns detalhes. Perón impôs ao partido a candidatura a vice-presidente de sua terceira esposa, Isabelita Perón, e fez do notório fascista José López Rega o homem forte de seu governo, a quem delegou a missão de exterminar fisicamente a ala marxista do Partido Justicialista e outros esquerdistas. O tratamento geriátrico não deu certo: Perón faleceu em julho do ano seguinte. Governou apenas oito meses. Em março de 1976, Isabelita foi derrubada pelas Forças Armadas, logo após ter sido forçada a demitir “el brujo” López Rega. Não por ter Rega mandado torturar ou matar comunistas, mas por denúncias de corrupção. Resumo da ópera populista: em apenas dois anos e meio, caos e, novamente, ditadura.

Recordando esse período da história de nossos vizinhos, acho que o retrato de Lula na urna eletrônica – em boa hora proibido pelo TSE – poderia chacoalhar a já muito débil democracia em nosso país. 

Lula transformou o PT naquilo que acusava Brizola ter feito com o PDT: um partido de um homem só e um partido sem chance de tratamento geriátrico...

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