Torcendo nas mãos um lenço de seda, Dora Diamant, namorada de K., soluçava. Vestida de preto, sentada numa poltrona do consultório, seus ombros estreitos oscilavam para a frente e voltavam de repente, como se ela acordasse bruscamente de um cochilo. Atrás da mesa, numa poltrona alta, o doutor Hoffmann, diretor da clínica, mastigava a ponta de um charuto enquanto ouvia Max Brod. Este dizia:
– Reconheço, doutor, que o caso é delicado. Sem poder engolir, K. corre o risco de morrer de fome, como o personagem de um conto que tirei dele hoje. Só falta ele se imaginar transformado num inseto asqueroso.
Os três riram.
NO QUARTO
K. não tinha fome. A garganta doía. Na mesinha de cabeceira, entre frascos de remédio, um prato de sopa esfriava e alimentava moscas.
– Morfina agora, posso? – sussurrou para a enfermeira.
– Está doendo muito? – perguntou ela. – Minhas instruções dizem que só devo aplicar morfina quando a dor estiver insuportável.
– E quem decide quando é ou não é insuportável?
Os dois riram.
NO CONSULTÓRIO
Dora voltou a soluçar e o doutor Hoffmann a mastigar seu charuto. Max Brod tirou do bolso um manuscrito.
– Vejam vocês. K. não pode engolir e, como disse, acabo de tirar dele um conto, que intitulou “O Artista da Fome”. É a história de um jejuador que passa 40 dias e noites sem comer nada. Quando seu empresário quer interromper o jejum, ele protesta, dizendo que aguentaria muitos dias ainda.
Os três riram.
NO QUARTO
– Talvez não esteja realmente insuportável agora – disse K. – É como uma dor de dente. Se não penso nela, não dói.
– Então por que não pensa que é dor de dente?
– Todas as vezes que tento, ela volta. Como se me chamasse: “Ei, olha eu aqui, estou na sua garganta e não no dente. Será que você me esqueceu?”.
Os dois riram.
NO CONSULTÓRIO
Max Brod disse:
– Vou ler pra vocês um trecho do conto, que lembra a situação de nosso amigo neste momento. Vejam se não é parecida.
“– Eu sempre quis que vocês admirassem meu jejum – disse o artista da fome.
– Nós admiramos – retrucou o inspetor. – Por que não haveríamos de admirar?
– Mas não deviam admirar – disse o jejuador.
– Bem, então não admiramos – disse o inspetor. – Por que é que não devemos admirar?
– Porque eu preciso jejuar, não posso evitá-lo – disse o artista da fome”.
Os três riram.
NO QUARTO
– Parece até que estou jejuando – disse K.
– Pois não devia – disse a enfermeira. – Vou obrigá-lo a comer um pouco. Depois aplico a morfina.
– Por que não aplica a morfina e depois me obriga a comer um pouco?
Os dois riram.
NO CONSULTÓRIO
– Rimos antes da hora – disse Max Brod. – Ainda não terminei a leitura. Continua assim:
“– Bem se vê – disse o inspetor. – E por que não pode evitá-lo?
– Porque eu – disse o jejuador, levantando um pouco a cabecinha e falando dentro da orelha do inspetor com os lábios em ponta, como se fosse um beijo, para que nada se perdesse. – Porque eu não pude encontrar um alimento que me agradasse. Se eu o tivesse encontrado, pode acreditar, não teria feito nenhum alarde e teria me empanturrado como você e todo mundo.”
Os três riram.
NO QUARTO
– Por que não fazemos diferente? – disse K. – Você me dá um beijo bem gostoso, a dor passa, e então me obriga a comer um pouco.
– Safadinho você, não é? – disse a enfermeira. – E quem disse que eu gostaria de beijá-lo?
– Ninguém. Mas o efeito é mais rápido que o da morfina.
Os dois riram.
NO CONSULTÓRIO
A enfermeira entrou correndo.
– K. morreu. Pediu que eu lhe desse um beijo em vez de aplicar morfina.
– E você o beijou? – perguntou o doutor Hoffmann.
A enfermeira balançou a cabeça, concordando.
– Fez muito bem – disse Max. – Beijo é de fato muito melhor do que morfina.
Os quatro riram.