Da primeira vez que me casei, foi amor verdadeiro. Daquele amor desesperado dos doidos varridos e românticos incuráveis, de chorar, roer as unhas, não dormir, pensar em suicídio, matar e morrer etc. Tive um amigo tão apaixonado que deixou a noiva esperando no altar, e foi trabalhar como mercenário americano no Iraque. Ganhou uma nota preta e perdeu a perna direita, do joelho pra baixo não sobrou nada. A noiva repudiada casou com outro, tão apaixonado quanto ele, só que mais corajoso.

"Mais corajoso? Você sabe do que está falando?", perguntou ele depois da volta, do casamento fracassado e do alto de sua cadeira de rodas motorizada. "Corajoso fui eu, que só abandonei a noiva no altar pra coitadinha não sofrer comigo depois de casada. Isso, sim, é amor. Amor que previne os sofrimentos da amada, e prefere sofrer a fazer sofrer." Bem, foi isso que ele disse. Escutei calado, cada doido com sua mania e cada mania com seu doido.

PRIMEIRO CASAMENTO
Como disse, o primeiro foi por amor. Como era ela? Linda, deliciosa, maravilhosa. Bastava olhar pra cair de joelhos. Tudo era perfeito. Ah, e ainda dizem que o amor é cego! Só se for o dos outros. O meu, não. A perfeição em pessoa, de corpo inteiro, de corpo e alma, na voz, no riso, nos olhos. Os cabelos, então... Hum, quem teria cabelos tão magníficos, quem? Nem essas atrizes boazudas aí, que faturam os tubos e passam o dia em academia e salão de beleza. Nenhuma chegava perto.

No primeiro mês não saí de casa, rodeando a maravilha o tempo todo. Perdi o emprego, mas não liguei. Tinha umas economias na poupança e preferia namorar minha mulher a trabalhar. Fazia tudo o que ela queria. Era só pedir e eu sair correndo, abanando o rabo que nem cachorrinho. E ela ria, agradecida, e eu ria, feliz da vida.

No segundo mês o dinheiro acabou e ela fechou a cara. Fazer o quê, né? Então foi ela quem arranjou emprego de recepcionista - também, com aquela beleza toda era a coisa mais fácil do mundo. O patrão, os colegas e os clientes, todos, sem tirar um, se apaixonaram por ela. E foi assim que ela me abandonou. Entre um e todos, escolheu todos. E passou a viver de mão em mão, de cama em cama, numa solteirice de arrepiar, enquanto eu chupava o dedo.

SEGUNDO CASAMENTO
Resolvi não dar moleza e escolhi uma garota discreta, feiosa, magra como bacalhau, ainda por cima de óculos grossos. Tinha uma miopia que nem te conto. Essa, pensei, não me trará problemas. Mulher feia a gente trata de qualquer jeito, e elas ainda gostam, não podem fazer nada, estão pegando o boi.

Se eu estava apaixonado? Claro que estava. Ela tinha um narizinho arrebitado que me deixava maluco. E umas orelhinhas carnudas que eu adorava beliscar de mansinho, só pra ela gemer baixinho.

Arranjei outro emprego e dei tudo pra ela, que não gostava de trabalhar fora. Ficava o dia inteiro diante da televisão comendo bombom, espichada na poltrona da sala. Então começou a engordar, nem queria mais tomar banho, ir pra cozinha, mudar de roupa, nada. Só ficava lá, vendo tudo quanto é porcaria. E comendo bombom.

Foi assim que seu peso pulou de 50 para 60, 70 e 80. Quando entrou na casa dos 90 levantei a voz: "Assim também não, criatura!". E espetei o dedo em seu narizinho arrebitado, que a essa altura estava mergulhado na cara grande e gorda, quase sumido. "Você pensa que tem escravo pra te dar tudo, é?"

Ela começou a chorar. Chorou tanto que não aguentei e sai de casa, chutando a porta. Quando voltei, bêbado, de madrugada, encontrei um bilhete pregado na tela da televisão: "Você é o demônio em figura de gente. Voltei para a casa da mamãe, que me ama de verdade. Adeus até nunca mais".

TERCEIRO CASAMENTO
Decidi pelo meio termo. Uma garota mais ou menos bonitinha, mais ou menos charmosa, mais ou menos tudo. Apaixonadíssimo, e ela por mim, juntamos os trapos, como se diz. Tinha sido promovido e estava ganhando bem, de modo que aluguei um bom apartamento de três quartos, nem precisava tanto.

Logo de cara ela pediu, com um beijinho mais do que doce, um quarto só pra ela. Estranhei, mas tudo bem, vontade é vontade, gosto é gosto, fica até melhor, dá mais liberdade e torna mais interessante a vida do casal, você não acha?

Daí ela pediu, com outro beijinho, esse ainda mais arrepiante, um casal daqueles cachorros magrinhos e puladores - qual é mesmo o nome? Ah, Fox Paulistinha. Durante o dia os moleques ficavam pulando e correndo pela casa que nem doidos, quebrando tudo, e ela achando graça. De noite, entrava com eles pro quarto e faziam a maior bagunça lá dentro, entre gritinhos e ganidos apaixonados.

Eu? Sim, eu era carta fora do baralho. Uma vez por semana, quando não aguentava mais, batia na porta, devagarinho. Pensa que ela não abria? Pelo contrário: abria logo, bem depressa, e pulava no meu pescoço, os moleques me puxando as calças e mordendo meu calcanhar.

Quando eu queria ir pra cama, ela ia, na maior boa vontade, rindo e me beijando. Só que os cachorros iam também, ficavam pulando em cima de nós dois, pulando e lambendo, lambendo e latindo - um berreiro infernal.

Não dá pra ser feliz com tanto latido, não é mesmo? Murcho, eu ainda tentava um pouco, mais um pouco, ela sempre alegre, me beijando sempre - e os moleques latindo e mordendo, mordendo e pulando. Nem tirar a roupa eu conseguia!

Da última vez que tentei e não deu certo, como nunca deu certo, olhei da porta quando saí. Lá estava ela, pulando na cama igual criança, e os bichos com ela. E ria, e latiam, e se divertiam tanto que abanei a cabeça, fechei devagarinho a porta, e saí pra sempre da vida dela.

QUARTO CASAMENTO
Vou me casar de novo, e vai dar certo. Mas que tipo de mulher escolher?