Queria ser amiga de Clara. Frequentaria seu apartamento para tomar vinho, enquanto ela me mostraria uma música desconhecida de um determinado disco de vinil de um grande compositor brasileiro, e, depois, embriagadas, dançaríamos na sala e morreríamos de rir. Veria suas fotos e ouviria suas histórias
Falaríamos sobre livros e autores, e eu sairia de lá com um exemplar emprestado, que, claro, devolveria depois. Queria, de vez em quando, passar pela manhã na porta de seu prédio para ir com ela à praia e, quem sabe, na volta, até filar o almocinho feito por Ladijane. Caminharíamos na praia à tardinha, em silêncio.
Diria a ela que eu também já coloquei rock’n’roll no último volume para abafar o som de uma festa no meu prédio. Falaríamos sobre como hoje em dia jovens jornalistas nem sequer percebem estar diante de grandes histórias.
Ela me contaria como superou um câncer, e eu lhe diria sobre a pior fase da minha vida. Falaríamos de nossas perdas.
“Prometa-me que nunca vai cortar seus cabelos?”, pediria. Ela me levaria nas lojas onde compra suas roupas maravilhosas. E iríamos juntas à festa de aniversário de Ladijane.
Eu seria uma daquelas mulheres na mesa do baile, que, com Clara, falam sobre desejos, sexo e homem e gargalham e bebem e dançam.
Seria aquela que diz: “Tenho o maior orgulho de você, amiga, por ser esse exército de uma mulher só, cheia de coragem, contra poderosos formados em business, mas sem nenhum caráter” (embora, por dentro, morreria de preocupação em saber que ela está lidando com gente sem escrúpulos).
Queria estar ao lado de Clara, sem dizer uma só palavra porque não se faz necessário, quando ela passa o sabão no empresariozinho escroto, racista.
Queria ser amiga de Clara para aprender com ela a lidar com canalhas sem perder o juízo.
Quem dera ser uma Cecília, mas, ao contrário do que acontece na trama genial de Woody Allen, ter a possibilidade de entrar no mundo de Clara e poder dizer que estamos precisando de mais e mais pessoas como ela, que trava quixotescamente uma grande batalha. Não por apego a seu lindo apartamento de frente para a praia de Boa Viagem, mas pela memória, pela história, por um estilo de vida, que empresário “com sangue nos olhos” jamais vai alcançar. Diria que, ao impedir, contra todas as ameaças e apelos, a demolição de um prédio, Clara estava lutando por nós, que compartilhamos de seus princípios.
Clara me diria: “eu sei”, com aquela ar sereno de mulher bem-resolvida, longe de ser perfeita.