SILVANA MASCAGNA

Só lamento

Redação O Tempo


Publicado em 22 de junho de 2016 | 03:00
 
 
 
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Tem alguma coisa muito errada com uma sociedade que celebra a morte de uma criança. Sim, me refiro aos policiais militares que foram recebidos com palmas pelos moradores de um bairro na cidade de São Paulo, onde um menino de 10 anos foi morto depois de roubar um carro. Eles voltaram ao local para fazer a reconstituição da cena do crime, e cerca de 80 pessoas foram recebê-los ao gritos de “heróis”.

Você, leitor, que já está coçando o dedo para comentar esse texto e falar coisas como “diretos humanos para humanos direitos”, “bandido bom é bandido morto”, bláblá-blá, não se dê o trabalho. Eu não vou lê-los. E, claro, você pode se expressar, vivemos ainda numa democracia. Mas não sou obrigada a ver o que me causa tanta indignação. O assassinato de uma criança de 10 anos e a celebração dessa morte já me dão asco o bastante.

Eu poderia não saber que os policiais envolvidos na morte mudaram a versão inicial do crime porque, do contrário, seriam condenados. Poderia ignorar que o menino que estava com a vítima no carro foi agredido e ameaçado e depois também voltou atrás em sua primeira versão e disse que não houve confronto entre eles e os PMs. Ou seja, você pode me convencer que o garoto morto era um “bandido armado” e que sua morte “foi em legítima defesa”. E ainda assim nunca vou entender quem celebra essa morte.

Porque a própria existência miserável dessa criança de 10 anos – cujo pai está preso, muitas vezes não tinha o que comer e que já havia passado por vários abrigos – já deveria ser motivo de vergonha para toda a sociedade. Contra o seu assassinato, então, faltam palavras no dicionário para expressar tamanha revolta.

Os policiais envolvidos na morte desse garoto estão muito longe de serem “indivíduos que se destacam por um ato de extraordinária coragem, valentia, força de caráte, ou outra qualidade considerada notável”, como se define um herói. Uma criança foi morta. Esse é o fato.

Não há nada a ser celebrado. E tudo a ser lamentado.

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