Vittorio Medioli

Vittorio Medioli

Empresário e político de origem italiana e naturalizado brasileiro, Vittorio Medioli está em seu segundo mandato como Prefeito de Betim. É presidente do Grupo SADA, conglomerado que possui mais de 30 empresas que atuam em diversos segmentos da economia, como logística, indústria, comércio, geração de energia e biocombustíveis, além de silvicultura, esporte e terceiro setor. É graduado em Direito e Filosofia pela Universidade de Milão. Em sua coluna aborda temas diversos como economia, política, meio ambiente, filosofia e assuntos gerais.

O TEMPO

Como comparar Bolsonaro a Trump?

As críticas que se fazem a Trump, justas ou injustas, já se estendem a Bolsonaro

Por Vittorio Medioli
Publicado em 06 de janeiro de 2019 | 04:30
 
 
 
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A mídia internacional sentenciou Bolsonaro igual a Trump, inclusive com direito a charge com beijos na boca. As críticas que se fazem a Trump, justas ou injustas, já se estendem a Bolsonaro.

Ontem à noite conheci um estilista de Milão que, de férias no Brasil, descascou Bolsonaro com base na mídia dominante na Itália. Nem sequer sabia que ele é filho de imigrantes vênetos chegados aqui de mala e cuia no século passado.

Certamente, grupos de mídia preferem um governo fraco, titubeante, que resulta em mais dependência de editoriais favoráveis.

Trump também se elegeu contrariamente à grande mídia, assim como Bolsonaro, mas nem por isso deixou de reduzir o desemprego ao mínimo histórico (3,7%), de elevar em 25% a Bolsa americana, ao seu máximo de todos os tempos (além dos 25 mil pontos), de reposicionar a produção interna, de pacificar as tensões entre as Coreias, algo que parecia impossível. Fortaleceu o dólar e impulsionou o crescimento acima de 4% ao ano. Mas resta um Trump direitista e sexista, xenófobo e autoritário.

Embora a conquista da Presidência da República em sistema presidencialista seja o ponto de encontro entre Donald Trump e Jair Bolsonaro no continente americano, a trajetória dos dois se diferencia no DNA de ambos. Um é filho de um rico empreendedor norte-americano de origem alemã, que soube ampliar a fortuna da família além dos US$ 10 bilhões; o outro, descendente de imigrantes italianos que ralaram a vida no interior de São Paulo sem acumular patrimônio.

Trump estudou em escolas caras, levou uma vida espetacular desde jovem pelo mundo afora. Bolsonaro entrou na academia militar das Agulhas Negras, adquirindo os conhecimentos que lhe serviram em seguida.

Um já nasceu príncipe, o outro, plebeu.

Bolsonaro militou como deputado federal por sete mandatos, ou 28 anos, no Congresso Nacional. Teve tempo e oportunidades de conhecer o que representa a perversa e voraz máquina política do país. Sobreviveu a ela sem manchas.

Passou por Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer sem ser levado muito a sério pelos colegas ou pela mídia. Considerado folclórico e esquerdofóbico, defensor da tropa, cujo soldo foi uma preocupação constante, notabilizou-se por embates polêmicos de ordem comportamental. Ganhou visibilidade e altura com a queda do império lulista, por ser seu contraponto mais identificável e de compreensão popular. Quanto maior a derrocada da velha política, melhor ficou pra ele, um desalinhado.

O “capitão”, dos 34 aos 62 anos, assistiu de perto às alternâncias e marés de cores variadas. Teve tempo de observar os vícios, os detalhes, as regras imperantes, as fragilidades e costumes do sistema. Comunicador sarcástico e direto, ganhou o povo cansado de corrupção e confusão. Como Lula, soube comunicar com as massas em linguagem acessível.

Trump chegou diretamente à Presidência com um discurso liberalista, cavalgando em bilhões de dólares. Já Bolsonaro é um nacionalista de formação (oficial defensor da pátria) e um liberalista em consequência de uma visão desenvolvimentista, especialmente contrária à esquerda.

A predominância dos componentes é sinal de que nem tudo será igual e alinhado. Bolsonaro, afinal, é um “servidor público”, oficial do Exército; Trump é um empresário transnacional, bom em meganegócios. Um viveu até semana passada numa casa modesta de 80 m² num condomínio de classe média do Rio, sem requinte, enquanto o norte-americano espalhou pelo mundo uma rede de Taj Mahal, símbolo da sofisticação e do luxo que o cercam desde a juventude.

Mais acentuadamente liberalista, Trump se deu bem com um ditador norte-coreano que encarou como um negócio a ser conquistado, e isso seria difícil ao nacionalista Bolsonaro, que barrou Cuba e Venezuela na sua posse.

Ambos se elegeram com votos populares e a despeito da grande mídia. Tiveram como se calejar com as críticas, as investidas persistentes dos noticiários, confirmando que as redes sociais estão demolindo as antigas colunas do poder.

As eleições de ambos marcaram um divisor de águas, entre uma história movida pelos sopros da mídia e dos grandes financiadores de campanha. Os dois se dirigiram à economia pulverizada, ao mercado em geral, aos que, sem voz oficial, decepcionados com a politicagem, pretendem uma economia de méritos mais que de especulação.

Paradoxalmente, os dois se aproximam do modelo econômico chinês, que se distanciou de Marx abraçando o empreendedorismo e o livre mercado, escalando o topo do ranking mundial de produção. Os chineses adotaram o que melhor se tinha em sistemas contrapostos para disputar a liderança mundial de produtividade.

Essa realidade, difícil de ser aceita pela geração que enxerga pela lente do preconceito ideológico, é a que está se impondo no planeta: Estados fortes, nacionalistas, adotando um paradoxo de liberalismo comunista. Parece um enxerto liberal num tronco comunista, algo inaceitável para quem sempre demonizou qualquer aspecto dos adversários.

Podemos definir o modelo chinês como um liberalismo de esquerda; o de Trump, um liberalismo imperial; e o de Bolsonaro, um nacionalismo liberalista, os três com tendência a reduzir a carga tributária, deixar o Estado o menor possível, as fronteiras comerciais patrulhadas, e apoiar as atividades produtivas oferecendo-lhes condições de competitividade.

Bolsonaro optou assim pelo grito “Pátria amada Brasil”, nacionalismo em primeiro lugar e “acima de tudo”. E, para responder à pergunta inicial, Trump e Bolsonaro são diferentes e nem sempre estarão alinhados.

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