Vittorio Medioli

Vittorio Medioli

Empresário e político de origem italiana e naturalizado brasileiro, Vittorio Medioli está em seu segundo mandato como Prefeito de Betim. É presidente do Grupo SADA, conglomerado que possui mais de 30 empresas que atuam em diversos segmentos da economia, como logística, indústria, comércio, geração de energia e biocombustíveis, além de silvicultura, esporte e terceiro setor. É graduado em Direito e Filosofia pela Universidade de Milão. Em sua coluna aborda temas diversos como economia, política, meio ambiente, filosofia e assuntos gerais.

O TEMPO

Urge voltar à legalidade

Para se quantificar a esculhambação de Minas, é preciso lembrar que nem o Estado do Rio de Janeiro, nos seus piores momentos, ousou reter as cotas dos municípios

Por Vittorio Medioli
Publicado em 17 de fevereiro de 2019 | 04:30
 
 
 
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O Estado, em conluio fraudulento com o Banco do Brasil, pratica a apropriação indébita da verba constitucionalmente inviolável de ICMS destinada aos municípios. Injustificável, essa atitude perdura, em larga escala, no 50% do montante de retenção, desde setembro de 2018. O desvio serve para financiar o rombo do Estado de Minas Gerais, acabando com os municípios, que, com isso, não têm qualquer responsabilidade.

O custo recai sobre a população, condenada a privações na saúde básica, na educação fundamental, na assistência social, na manutenção de serviços imprescindíveis. A drástica diminuição de verbas castiga a economia dos municípios, notadamente os mais distantes e carentes. Minas vive uma das maiores vergonhas em solo brasileiro, um Estado apequenado e já de longo tempo à deriva. A expropriação de recursos dos municípios passa de R$ 3 bilhões nos últimos cinco meses e amplia o saldo reclamado pela Associação Mineira de Municípios (AMM) para R$ 12 bilhões, com as verbas contratualizadas da saúde, da assistência social e do IPVA.

Para se quantificar a esculhambação de Minas, é preciso lembrar que nem o Estado do Rio de Janeiro, nos seus piores momentos, ousou reter as cotas dos municípios, até porque esse pecado remete a uma intervenção federal e à queda do governo. Vejamos “ipsis litteris” o que determina a Lei Complementar (LC) 63/1990, reguladora da arrecadação do ICMS: “Art 4º § 2º Os agentes arrecadadores (Banco do Brasil) farão os depósitos e remessas (aos municípios) a que alude este artigo independentemente de ordem das autoridades superiores, sob pena de responsabilidade pessoal”.

Quer dizer que nem o presidente do banco ou o presidente da República podem intervir no automatismo do repasse, quanto mais determinar atrasos ou desvios. Esse disposto faz do BB um fiel depositário. Com isso, “o depositário infiel responde civilmente pelos prejuízos causados, sem prejuízo de sua responsabilidade penal e da imposição de sanção por ato atentatório à dignidade da justiça”. A responsabilidade civil do depositário infiel, por culpa ou dolo, como nitidamente é o caso do Banco do Brasil em relação à retenção do ICMS dos municípios, determina aplicação de multa de até 25% sobre o valor retido.

Ficando na LC 63/1990 se encontra: “Art. 5º Até o segundo dia útil de cada semana, o estabelecimento oficial de crédito entregará, a cada município, mediante crédito em conta individual ou pagamento em dinheiro, a parcela que a este pertencer, do valor dos depósitos feitos, na semana imediatamente anterior”.

Mais ainda, no parágrafo 4º: “O Banco do Brasil observará os prazos previstos nesta Lei Complementar, sob pena de responsabilidade de seus dirigentes”. E nesse caso o xilindró é o destino dos dirigentes, que colaboram com o aumento do prejuízo à saúde publica e à educação básica. Veja-se, atualmente, o atraso provocado na volta às aulas o desabastecimento de medicamentos e vacinas.

Continuando na LC 63/1990, chega-se ao “Art. 10. A falta de entrega, total ou parcial, aos municípios, dos recursos que lhes pertencem na forma e nos prazos previstos nesta Lei Complementar, sujeita o Estado faltoso à intervenção, nos termos do disposto na alínea b do inciso V do art. 34 da Constituição Federal”.
Para que não paire dúvida, o legislador acrescenta: “O pagamento dos recursos pertencentes aos municípios, fora dos prazos estabelecidos nesta Lei Complementar (63/1990), ficará sujeito à atualização monetária de seu valor e a juros de mora de 1% (um por cento) por mês ou fração de atraso”.

O atraso não é um mero descumprimento, trata-se de arrombamento do caixa dos municípios, subverte a ordem constitucional, cuja eficácia é intocável. Certamente a LC é imune aos decretos estaduais, ou a um comitê de crise, legalmente inepto para alterar quanto previsto na Constituição. Uma solução criativa para o Estado, mais que se alongar nas práticas ilegais – que poderão lhe custar a intervenção prevista explicitamente no art. 10º da LC 63/1990 – poderia valer-se da responsabilidade do órgão arrecadador, infrator contumaz da obrigação de repasse automático (no segundo dia da semana seguinte – art. 50 da LC 63/1990).

Alguns municípios (veja-se Betim) entraram contra o BB, órgão arrecadador (e fiel depositário), para que quite as verbas retidas ilegalmente até o presente momento (LC 63/1990 art. 4º, parágrafo 2º). O êxito, por força de lei, é bem provável. Disso a liquidação dos saldos que deverão ser acrescidos de atualização monetária, juros de 1% ao mês e provavelmente de penalidade de 25% por dolo na qualidade de fiel depositário.

O “novo” governo, mais que continuar na prática de apropriação de repasses, precisa atinar para os riscos letais desse procedimento indefensável.

Existem as vias legais ao alcance do governo, como a quitação imediata de quanto retirou em janeiro de 2019, saindo da inadimplência constitucional, para em seguida responsabilizar o órgão arrecadador, BB, pelos períodos anteriores a 2019 (LC 63/1990 art. 5º). A ação regressiva do BB se transformará certamente em dívida de longo prazo.

Enfim, o governo de Minas precisa de profissionais com o GPS para transitar nos meandros do caos que herdou, fruto de gestões que levaram Minas à bancarrota e que se espera não se repitam.

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