Acílio Lara Resende

Assobiar

Talvez seja o melhor meio para se combater a ansiedade


Publicado em 12 de novembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Fiz o que pude para não me submeter ao massacre (santo massacre, aliás, motivado pelo respeito à liberdade de imprensa) do noticiário nos últimos 15 dias, que se acentuou a partir do último dia 3, dia das eleições norte-americanas, fundamentais – queiramos ou não – para todo o mundo e, em especial, para o nosso país. Fiz o que pude para não perder o sono nem me sentir mais aflito com o desenrolar de uma pandemia cujo fim a ciência não é capaz de vislumbrar e que nos machuca impiedosamente, pois, além de pérfida, se soma aos problemas naturais da vida. Haja exercícios para dominar a nossa mente!

Na última segunda-feira, ao ler a coluna do jornalista e escritor Ruy Castro, na “Folha de S. Paulo”, sob o título “Assobio na legalidade”, lembrei-me do quanto usei, na juventude, esse eficiente meio de comunicação com meus amigos daquela saudosa turma, hoje muito desfalcada.

Como Ruy Castro, lamento não tê-lo aprendido bem para usá-lo (não basta querer, pois há que se ter ouvidos afinados…), sobretudo, para “produzir música sem depender de vitrolas ou instrumentos”. Na minha turma, servia tão somente para nos tirar de casa ou para anunciar que já havíamos chegado ao local previamente combinado. Como muito bem disse o biógrafo de Nelson Rodrigues (“O Anjo Pornográfico”), entre outras notáveis personalidades, “assobiar permite à pessoa dialogar consigo mesma, dispensando interlocutores”.

Juro que gostaria de ter passado esses dias, leitor, apenas assobiando, sem pensar em nada, como fazia um dos meus tios, que nunca andava sozinho, pois tinha no assobio o seu fiel companheiro.

Não consegui realizar meu intento, mas pelo menos saí desse massacre com mais esperança no ser humano, após ouvir Joe Biden prometer que, no governo, apesar do trabalho árduo que terá pela frente, sua meta é reunificar o país e sua promessa é governar para todos os norte-americanos, sem distinção, incluídos os que não votaram nele.

Até o momento (ou algo já terá mudado?), estamos assim: Trump sofre pressão do seu partido para reconhecer a derrota para Joe Biden, que já detalhou as prioridades para o início de governo.

Em nosso triste país, alguns auxiliares de Jair Bolsonaro também insistem para que reconheça logo, civilizadamente, o presidente eleito.

Não creio na teoria conspiratória de fraude eleitoral defendida pelo demitido Trump, embora, no mundo atual, o demônio more sempre ao lado. O importante, agora, é comemorar a vitória de Joe Biden e Kamala Harris. Os dois mostrarão ao mundo que o ódio, também disseminado entre nós e protagonizado pelos extremistas autoritários, nada constrói.

Tomara, enfim, leitor, que surja entre nós um movimento inteligente, defendido por líderes que somente desejam o bem coletivo. Até lá terei afinado o meu assobio.

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