Desde muito pequeno, eu ouço dizer que, “quando um não quer, dois não brigam”. O adágio popular é relevantemente atual, até mais do que muitos pensam, pois, por analogia, “quando um não quer, dois não conciliam”, e esse é o grande obstáculo ao entendimento hoje em Belo Horizonte, posto que a desarmonia corre solta no seio da política local, intolerante, subliminar e, notadamente, rancorosa. As recorrentes trocas de farpas entre as equipes dos governos municipal e estadual são evidências incontestáveis.

O alcaide, “permissa venia”, parece ter nascido para as desavenças. Discursa com arrogância, quase sempre no ataque; ignora as dificuldades prementes dos comerciantes; realiza reunião com militantes da esquerda e cancela a previamente agendada com setores empresariais; edita decretos sem consultar a sociedade e depois retifica; e não mantém diálogo nem entendimento com o governador do Estado. As atitudes não são nem um pouco democráticas. Ora, por mais que a população, os empresários e o governador tenham se comportado dentro dos seus respectivos limites, ainda assim o prefeito insiste no embate, sem paridade de armas e sem respeito ao princípio do contraditório.

Ao que parece, o Supremo Tribunal Federal (STF), na sua decisão de 15 de abril de 2020, deu asas a muitos prefeitos, que se acham acima da lei e da ordem, com poderes para determinar medidas restritivas durante a pandemia do novo coronavírus, não de forma isonômica, mas ao seu intempestivo alvedrio. Ou seja, sponte sua, desde então, se arvoram no direito de definir o que pode e não pode nas cidades, quais as atividades que serão suspensas, os serviços que não serão interrompidos e quando abrem e fecham. Não dialogam, não dão satisfação e não conciliam.

Ao talante e no sentir do alcaide belo-horizontino, a ele tudo é permitido, o município pode muito, o governador do Estado não pode nada, e menos ainda pode o presidente da República. Ledo engano. A controvérsia envolve a opinião pública e não apenas as decisões das instituições, uma vez que a vida, a sobrevivência e os interesses em jogo são dos cidadãos, que pagam impostos e mantêm de pé os organismos municipais, estaduais e federais. Ademais, cumpre observar que a suposta intocável autonomia municipal, que se imagina existir, leva a deveres e obrigações sanitárias, econômicas e políticas.

Contudo, vale lembrar que a deliberação do STF não assegura unicamente exclusividade aos municípios, mas concede também poder aos Estados, de forma que ambos os entes da Federação têm o poder de definir quais os serviços atingidos por suas medidas essenciais. Daí a imprescindível adoção de atitudes republicanas, que encontrem alternativas e possibilidades de soluções dos problemas locais, sem gestos ensaiados, recados indiretos ou atos hostis. Qualquer situação que se apresente, por pior que seja, requer solução compartilhada, civilizada e cidadã.

Assim, a recomendação ao senhor prefeito e ao senhor governador é para que se harmonizem, se unam e se elevem ao patamar político de figuras exemplares como Afonso Arinos, Milton Campos, José Maria Alkmin, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves e Itamar Franco, entre tantos outros operadores da política que trabalharam pelo protagonismo de Belo Horizonte e de Minas.