Cinema

Em busca da infância perdida

“O Menino no Espelho estreia primeiro na capital de seus autores

Por (*) Giselle Ferreira
Publicado em 12 de junho de 2014 | 18:45
 
 
 
normal

Ele constrói seu próprio aeroplano caseiro, sua casinha na árvore, seu telefone sem fio. Voa com as asas da imaginação e não se deixa podar nem com os piores castigos. Descobre o amor e, finalmente, descobre o que quer ser quando crescer: criança. É o que Fernando confessa ao pai na cena que encerra o filme “O Menino no Espelho”, sintetizando toda a mensagem do longa-metragem cuja estreia nacional será em Belo Horizonte, na próxima quinta (19). 
Baseado na obra homônima de Fernando Sabino (1923-2004), o filme marca o aniversário de 90 anos de nascimento do escritor belo-horizontino que se recusou a crescer. Até o fim da vida, Sabino se conservou menino. E, ao que parece, assim também pretendem os leitores das mais de 80 edições que o livro já ganhou.
 
A começar pelo diretor da adaptação, Guilherme Fiúza Zenha, que assina seu primeiro grande trabalho solo (leia mais na pág. 6). “Depois de ‘Batismo de Sangue’ (filme de Helvécio Ratton lançado em 2007, no qual Fiúza atuou como assistente de direção), eu queria muito fazer um trabalho direcionado às crianças e aos adolescentes. Comentei uma vez com a minha ex-mulher sobre adaptar alguma coisa do Sabino. Li muitas coisas dele quando era mais novo. Poucos dias depois ela entra no carro e me entrega um livro e era ‘O Menino no Espelho’. Só então fui ler e fiquei encantado com o personagem e esse desejo que a gente compartilha de ser sempre criança”, afirma o diretor, lembrando dos sete anos que o filme precisou para ser gestado por motivos não só de primor e esmero como burocráticos. Mal que veio para o bem, uma vez que o longa se destaca pela plasticidade das cenas e pelo capricho com que reproduz a mais aventureira e esquecida das infâncias nesses tempos tecnocêntricos.
 
A montagem do roteiro, finalizada com a parceria entre Fiúza, Cristiano Abud, André Carreira e Di Moretti – roteirista de “Dominguinhos” (2014) e “Tropicália” (2012) –, privilegiou apenas alguns contos do livro de Sabino, o que confere maior unidade e coesão ao filme. 
 
Anos 30
 
A busca criteriosa por locação e elenco que reconstituíssem a época em que a história é ambientada – final dos anos 30, infância de Sabino – também foi responsável por estender os prazos. A equipe realizou mais de 4.000 entrevistas para montar a turma infantil e precisou se deslocar para Cataguases, na Zona da Mata mineira, à procura do lugar que pudesse se passar pela BH daqueles tempos, quando os carros eram majoritariamente coletivos e os prédios de, no máximo, três andares. 
 
A direção de fotografia, feita por José Roberto Eliezer, se soma à preparação delicada de figurino para recriar a atmosfera de 80 anos atrás. “Trabalhamos um ano pesquisando os sete atores. Tínhamos uma ideia clara: queríamos crianças que tivessem uma identificação com a história. Não queria criança chata. Já não acredito em ator-mirim, não quis nenhum atorzinho de novela. Eu estava atrás de um frescor, de uma coisa nova e crível, natural”, explica Fiúza sobre a peneira, que não incluiu o protagonista, indicado.
 
Líder da Polícia Especial de Investigação Doméstica (Peido), que tem sede no sótão de sua casa, o protagonista Fernando acorda de sonhos complexos com seu reflexo transformado em gente de carne e osso. Odnanref (Fernando ao contrário), o menino saído do espelho, é o avesso de Fernando e chega para solucionar a parte sem graça da vida do protagonista. Os dois são vividos por Lino Facioli, 13, astro mirim da série “Game of Thrones”, da HBO. 
 
“O Lino não veio atuar no filme porque está em ‘Game of Thrones’. Ele veio porque é genial, extremamente instintivo e criativo. O barato é isso e o complexo também é isso. Ele raras vezes faz as coisas do mesmo jeito: às vezes é bom, às vezes não”, conta o diretor sobre o menino, que está em 80% das cenas, fazendo dois personagens. Eles, que a princípio se parecem, vão se diferenciando ao longo da trama. Dois alter-egos de mesma matriz, que dividem os diálogos mais interessantes do filme. 
 
Completam o elenco tarimbado os atores Mateus Solano e Regiane Alves – como os pais do menino Fernando –, Ricardo Blat, Laura Neiva e Gisele Fróes. 
 
“Acho que a gente deu sorte em várias coisas: quando o Lino gravou o filme ele estava só na primeira temporada da série. Agora ele volta na quarta temporada com outro peso. E o Mateus também estourou na última novela (‘Amor à Vida’). Gosto pra caramba do trabalho dele e ele até se parece com o Sabino jovem. A Regiane também teve um tom exato. Ela tem o rosto de época que a gente precisava”, se anima Fiúza, que espera que a repercussão do filme no circuito nacional seja à altura da acolhida que recebeu do público adulto na 18ª edição do Cine PE e mirim na 13ª Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis. 
 
“Em Floripa foi uma catarse, muito divertido. Tivemos debate com as crianças, ninguém arredou o pé depois da exibição, tivemos perguntas fantásticas. Os por quês são ótimos. Pergunta de criança nunca é boba”.
 
 
*Especial para o Pampulha.
 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!